Título: Ao lado, a ladeira
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 19/05/2005, Panorama Político, p. 2

O governo rendeu-se, vem aí a CPI dos Correios, que alcançando outros órgãos públicos pode transformar-se numa investigação sobre a ação de parlamentares na administração federal. Tontos, os governistas não conseguem sequer antecipar a linha de conduta que será adotada. Não para abafá-la ou coisa parecida ¿ pois estamos precisando mesmo é de uma chuva que lave a paisagem.

Mas alguma linha de ação terá o governo que adotar para evitar que a CPI o faça descer a ladeira, que se queime sob os holofotes o tempo que resta antes do estrépito eleitoral. O do governo, para governar, o do Congresso, para legislar. Alguns petistas se perguntam como foi possível que um governo de capital inicial tão elevado, que vem acertando em outras frentes, permitiu tal deterioração da situação política. Outros, o que é pior, nem isso se perguntam. Navegam entre o auto-engano e o fatalismo. Se lá adiante o PT vier a lamentar a perda de sua primeira oportunidade de governar e mudar o país, constatará que não errou onde era inexperiente mas onde era diplomado. Na política. E vem errando feio, mais o partido, mas também o presidente, por subestimar a importância da política institucional.

Apesar da mudança aguda no quadro político a partir de fevereiro, só na semana passada a ficha parece ter caído no Planalto. Lula foi para a linha de frente da ação política, reuniu-se anteontem com líderes aliados, condenou o exclusivismo petista, prometeu equilíbrio na sociedade e confirmou Aldo Rebelo na Coordenação. Ontem reuniu-se com dirigentes e líderes da Câmara, aliados e da oposição. Uma boa reunião, que, como diz o deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), terceiro-secretário da Mesa, ¿teria sido ótima se tivesse acontecido há um ano¿. Ao lado de Severino Cavalcanti, para desespero de parte do PT com esta imagem, Lula propôs uma pauta negociada e trabalho conjunto este ano sem febre eleitoral. Lá estiveram e até louvaram a iniciativa os os líderes do PFL, Rodrigo Maia, do PSDB, Alberto Goldman, e da minoria, José Carlos Aleluia.

A parte mais importante da conversa, entretanto, não foi sobre CPI ou sobre pauta. Começou com as advertências da oposição (compartilhadas por alguns governistas) sobre os riscos da crescente perda de confiança nas instituições e na classe política, por conta não apenas de casos de corrupção mas de atitudes dos políticos em geral.

Na semana passada, o ex-presidente Fernando Henrique falou em riscos de uma crise institucional. No governo, a declaração foi vista como aposta no caos e na crise, situação que favoreceria sua candidatura a novo mandato. Em conversa na segunda-feira, em São Paulo, FH esclareceu:

¿ Não falei de crise imediata, a curto ou médio prazo. O que eu disse qualquer pessoa sensata pode deduzir: a continuarmos neste ritmo, com perda crescente de confiança nas instituições, com a ampliação do fosso entre os que representam e os que não se sentem representados com este sistema político que não se reforma nem admite outra forma de governar, em algum momento acabaremos tendo mesmo uma crise institucional. Não sou ave de agouro, nem minha trajetória autoriza tal suspeita.

A melhor parte da conversa entre os líderes e Lula foi uma variação sobre este tema. Mas para que sua iniciativa seja conseqüente, Lula terá que se manter na liça política, que não lhe dá prazer.

No final do dia, pouco antes do estrondo no Senado por causa da rejeição do nome já aprovado pela oposição na Câmara para o CNJ ¿ quando propôs ao governo um recuo tático nesta hora de maré revolta ¿ o senador José Sarney diagnosticava.

¿ Está faltando política. Mas com P maiúsculo.

É isso.