Título: DESCULPA AMARELA¿, DIZ ESPECIALISTA
Autor: Eliane Oliveira, Cristiane Jungblut, Renato Galeno
Fonte: O Globo, 12/05/2005, O País, p. 3

Já ex-embaixador afirma que conceitos são realmente delicados

RIO E SÃO PAULO. Substantivos abstratos, os termos democracia e terrorismo causaram polêmica não só na discussão do documento final da cúpula, mas entre os especialistas em relações internacionais e direitos humanos. O diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes, Clóvis Brigagão, disse que a explicação do presidente Lula de que ¿seria falta de democracia definir o conceito de democracia¿ não passa de uma ¿desculpa amarela¿:

¿ O presidente sabe muito bem o que é democracia. Até na luta sindical ele aprendeu sobre isso. E o povo brasileiro outorgou-lhe um mandato democrático.

Brigagão explica que o conceito de democracia é universal e vai se ampliando ao longo do tempo. Atualmente inclui, por exemplo, acesso às instituições, eleições livres, liberdade de imprensa, respeito aos direitos humanos.

¿ Os gregos tinham a ágora, onde os assuntos eram discutidos, mas havia escravos, não havia igualdade. Era a democracia da época, que foi se aprofundando até os dias de hoje. Atualmente, não adianta dizer que um governo foi eleito e, por isso, é democrático, se rouba. O Collor foi um exemplo ¿ diz Brigagão, lembrando que o termo, de origem grega, significa autoridade (cracia) do povo (demo).

Quanto a terrorismo, Brigagão também é enfático e cita a definição do secretário-geral da ONU, Kofi Annan: ¿Terror é todo ato que causa vítimas civis¿. Por isso, afirma, ¿não há meio terrorismo¿:

¿ A auto-determinação dos povos é outra coisa. Os povos têm o direito de se defender, até com armas, mas isso não é terrorismo. Quanto ao terrorismo, não há como abrir exceções.

O presidente do conselho de comércio exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, discorda. Para ele, os conceitos são realmente delicados e não houve surpresas na redação do documento, que ¿tratou de temas controversos dentro do razoável¿. Em relação ao terrorismo, diz que o termo ainda está para ser definido de forma clara na ONU:

¿ O que é terrorismo para uns, pode ser defesa de autonomia para outros ¿ diz, lembrando que o Brasil tem condenado abertamente a prática terrorista.

Quanto à democracia, Barbosa explica que os países árabes não têm uma carta democrática, como a da Organização dos Estados Americanos (OEA), que orienta os países latinos. E que há uma questão, sensível, envolvendo os Estados Unidos: a agenda americana de querer espalhar a democracia pelo mundo.

¿ Se fizesse referência à democracia, o documento estaria endossando a posição americana.

Para o jurista Dalmo de Abreu Dallari, o fato de não constar na Carta de Brasília a defesa da democracia não significa que os países signatários sejam contrários aos princípios democráticos. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), o papel do documento é tratar de problemas específicos, não globais.

¿ Como qualquer acordo, sua abrangência é limitada. Isso, porém, não significa que o Brasil e os países árabes e sul-americanos são contra a democracia ¿ disse Dallari.

A professora Maria Luiza Mendonça, da ONG Rede Social de Justiça e Paz, concorda. Para ela, a palavra democracia tem sido entendida de formas diferentes, com significados que chegam a ser opostos.

Ontem, 14 entidades judaicas divulgaram o manifesto ¿Terror não¿ condenando o fato de o documento não condenar o terrorismo. As entidades criticam, ainda, a Carta por não fazer menção à ¿democracia, nem aos direitos humanos, nem aos direitos das mulheres, sistematicamente desrespeitados por muitas nações que participaram da Cúpula¿.