Título: CAMISA-DE-FORÇA: Na contramão da alta dos juros
Autor: Flávia Oliveira e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 03/05/2005, Economia, p. 21

Tarifas indexadas, gastos públicos e oferta de crédito dificultam controle da inflação

Omea culpa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ que na última sexta-feira citou como um dos erros de seu governo o uso excessivo da política monetária no combate à inflação ¿ veio ao encontro do diagnóstico de boa parte dos economistas brasileiros. Num ambiente de oferta recorde de crédito, política fiscal expansionista e forte indexação dos preços administrados, os analistas concordam que o efeito dos juros é limitado. E para pôr fim ao impasse, recomendam, principalmente, corte nos gastos públicos e negociações que levem à mudança dos índices de correção de tarifas, como telefonia e energia.

¿ O (economista Affonso Celso) Pastore tem dito há tempos que a política monetária está sobrecarregada. Esperamos que o presidente tenha se convencido disso e de que é preciso haver aperto da política fiscal para retirar o excesso de demanda. Mas o que vemos é reajuste do salário-mínimo e aumento de gastos ¿ diz o economista Márcio Garcia, da PUC-Rio.

Ele se refere ao que Pastore, ex-presidente do BC, chama de ¿fadiga de instrumento¿. O excesso de elementos a favor da demanda torna sem efeito a alta de juros. É por isso que, oito meses após iniciada a onda de elevação da Selic, hoje em 19,5% ao ano, o BC ainda não enxerga nem nos índices apurados nem nas projeções de mercado evidências de recuo da inflação. E a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sugere novos aumentos.

`Lula precisa fazer nova desindexação¿

Garcia acha que o governo não levou a sério a necessidade de cortes de gastos. Com isso, aproveitou a arrecadação recorde para aumentar suas despesas em 9% acima da inflação em 2004, em vez de incrementar o superávit primário. Não está só. O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, acrescenta que a política fiscal precisa ter desembolsos mais flexíveis. E sugere, por exemplo, que o salário-mínimo seja desvinculado dos benefícios da Previdência e da assistência social. Velloso afirma ainda que o governo deveria recuar, temporariamente, nos incentivos à expansão do crédito, que têm dificultado a ação dos juros.

Já Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores, concorda que há um problema fiscal no Brasil, mas afirma que a indexação excessiva ¿ com tarifas, salários e contratos sendo reajustados anualmente ¿ é o maior entrave à redução da inflação. A correção anual das tarifas públicas pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI ou IGP-M) faz com que, mensalmente, as expectativas de inflação sejam revistas, à medida que as taxas são divulgadas. Isso acaba realimentando o processo inflacionário.

¿ Os setores industriais estão caindo nessa arenga de demonizar o gasto público. Só que essa é mais uma forma de os que ganham com os juros altos desviarem a atenção do gasto financeiro (com serviço da dívida) para o não-financeiro. Vai cortar que gasto? O remédio contra Aids? ¿ contesta Rabello de Castro, acrescentando que, este ano, o Brasil gastará R$150 bilhões com juros da dívida pública.

Rabello de Castro defende que o governo abandone os IGPs em nome da estabilidade econômica, que, para ele, é muito mais importante do que a segurança jurídica dos contratos de prestação de serviço que prevêem a correção pelo índice.

¿ O governo Lula precisa mexer o traseiro para fazer a segunda etapa da desindexação ¿ diz, numa referência ao comentário do presidente Lula sobre a fraca reação dos brasileiros aos juros bancários.

Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP, lembra que outro canal para conter a inflação é a política cambial, ou seja, deixar o real se valorizar para ajudar a segurar os preços. Nesse aspecto, afirma, o BC está abrindo espaço para um ajuste feito pelo próprio mercado, uma vez que a cotação do dólar já se aproxima de R$2,50.

Renda desigual pressiona inflação

O economista Nelson Rocha, presidente da BB DTVM, diz que não há instrumento eficaz contra a inflação a curtíssimo prazo, daí o excesso de ênfase do BC na política monetária. Para ele, o aumento das exportações, a queda do risco-Brasil, o saneamento das contas externas e a melhora no perfil da dívida pública são fatores que contribuem muito para a estabilidade de preços. Além disso, a recém-divulgada Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2006) fixou limites para o aumento de gastos e para a carga tributária, que vão melhorar a situação fiscal.

Ainda assim, salienta, o país tem problemas inerciais e estruturais que alimentam a inflação. Um deles é a indexação. Outro, a própria estrutura de distribuição de renda, que provoca solavancos na demanda toda vez que há um aumento no rendimento dos mais pobres.