Título: `Acidente horrendo'
Autor: Isabel Braga e Maria Lima
Fonte: O Globo, 04/05/2005, O País, p. 3

A Câmara dos Deputados comemorou ontem o Dia do Parlamento oferecendo um pacote indigesto à opinião pública: a Mesa Diretora da Casa arquivou pedido de sindicância contra o deputado Pedro Corrêa (PE), presidente do PP, partido do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PE). Corrêa é acusado de envolvimento com a máfia dos combustíveis e de contrabando de cigarros. A decisão ainda abriu caminho para a possível absolvição, hoje, do deputado André Luiz (sem partido-RJ), acusado de ter tentado extorquir R$ 4 milhões do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Para piorar, o deputado Ronivon Santiago, também do PP de Severino, cassado ano passado, continua no cargo com todos os benefícios de um parlamentar.

Severino, que na véspera causara polêmica ao chamar o estupro de ¿acidente horrendo¿, negou ontem interferência na decisão da Mesa que livrou Corrêa de uma investigação e de um processo que poderiam resultar na cassação de seu mandato. Neste caso, foi de caso pensado:

¿ A Mesa Diretora tem seis deputados. Todos votaram sim (pelo arquivamento). Eu não votei. Será que tenho um poder tão grande assim? Apenas respeitei a decisão da maioria.

Cinco votaram pelo arquivamento

O parecer pelo arquivamento foi assinado por cinco deputados da comissão que analisou as denúncias: Osmar Serraglio (PMDB-MG), Paulo Rocha (PT-PA), Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), Ricarte de Freitas (PTB-MT) e Nilton Capixaba (PTB-RO). Segundo Capixaba, a comissão teve acesso apenas a um trecho da fita ¿ hoje em poder do Supremo Tribunal Federal ¿ em que há um diálogo entre duas pessoas que comprometeria Corrêa.

¿ Como vamos indiciar alguém quando só temos um trecho de uma fita de uma pessoa comentando sobre eles? Faltaram provas ¿ disse Capixaba, segundo-secretário da Mesa.

¿ Não há como fazer um julgamento político diante de um parecer técnico contrário assinado por vários deputados, inclusive o líder do PT (Paulo Rocha) ¿ acrescentou o quarto-secretário João Caldas (PL-AL).

Apesar de favoráveis ao arquivamento, quatro integrantes da Mesa ¿ três com direito a voto ¿ fizeram ontem apelo para adiar a apreciação do relatório sobre Corrêa. Queriam evitar que a decisão pudesse contaminar a votação, hoje, do processo de cassação do deputado André Luiz.

A questão foi levantada pelo primeiro vice-presidente, José Thomaz Nonô (PFL-AL), e apoiada por Capixaba, Mário Hering (PDT-MG) e Geraldo Resende (PPS-MS).

Ao sair do Palácio do Planalto, onde participou de reunião com os ministros Antônio Palocci (Fazenda) e Aldo Rebelo (Coordenação Política), Corrêa disse que a Mesa da Câmara fez justiça ao arquivar o processo contra ele.

`Não há quase virgens¿, diz relator

É com meses de atraso que o plenário da Câmara vota hoje o processo de cassação do deputado André Luiz. O clima ontem entre parlamentares do Rio e também no gabinete do relator do processo, Gustavo Fruet (PSDB-PR), era de desânimo. O relator diz que são fortes as articulações para salvá-lo, principalmente por parte da bancada evangélica e de integrantes do PMDB ligados ao ex-governador Anthony Garotinho.

¿ Uma soma de fatores nos leva a acreditar que a cassação está em risco. Há em alguns setores um forte receio de que ele caia atirando, de que ele tenha até outras gravações comprometendo mais gente. Nos depoimentos, o tempo todo André Luiz lançou insinuações intimidatórias contra o Carlos Rodrigues e o pessoal do Garotinho. O Severino que me perdoe, mas não há quase virgens nem quase quebra de decoro. Um deputado pediu dinheiro para influenciar em uma CPI. Se o plenário não cassá-lo, está liberando a extorsão no Legislativo ¿ disse o relator Gustavo Fruet.

Nos bastidores, a informação ontem era de que foi feito um arranjo dos aliados de André Luiz que, temendo retaliações, teriam prometido aprovar o nome de Augusto Nardes (PP-RS) para o Tribunal de Contas da União em troca do apoio do PP contra a cassação.

Hoje, antes da sessão, André Luiz participa de um culto evangélico ministrado pelos deputados pastores na Câmara. A família dele ¿ mulher, irmãos e filhos ¿ está desde o início da semana procurando os deputados e fazendo forte apelo emocional para que não votem pela perda do mandato. Há ainda receio de o quórum baixo impedir a aprovação do pedido de cassação, já aprovado por unanimidade no Conselho de Ética.

¿ Se ele não for cassado, a Câmara terá de conviver com um fantasma da ópera perambulando pelos corredores. O que vão fazer com o relatório suculento de provas incontestáveis, com pedido de cassação aprovado por unanimidade na Comissão de Ética? ¿ diz a deputada Denise Frossard (PSDB-RJ).

André Luiz parecia tranqüilo ontem. Negou o acerto com Garotinho e ironizou as noticias de que estaria intimidando parlamentares. Mas vários deputados do Rio, que preferiram o anonimato, admitiram que têm medo do conterrâneo, acusado, em outro processo parado na Mesa da Câmara, de assassinatos.

¿ Não precisam ficar com medo de mim não, nunca fiz mal a ninguém . Acham que sou marginal para dizer que vou matar os 512 deputados que votarem pela minha cassação? ¿ reagiu, dizendo que no processo em que é acusado de assassinato, nada deve. ¿ Não pode ter crime sem cadáver.

O deputado Chico Alencar (PT-RJ), estranhou, ao se inscrever para falar na sessão de hoje, que não houvesse ninguém inscrito para defender a cassação. Segundo o relator Fruet, passado tanto tempo quase ninguém sabe exatamente porque André Luiz seria cassado nesse processo de extorsão.

O deputado Jorge Bittar (PT-RJ) acha que as provas são irrefutáveis, mas com o voto secreto, tudo é imprevisível. Para que a votação ocorra é preciso quórum mínimo de 257 deputados e que a maioria dos presentes decide pela cassação ou não.

¿ Será uma desmoralização para a Câmara se ele escapar. Mas depois que inocentaram o Calazans no Rio e elegeram o Severino com voto secreto, tudo é possível ¿ disse Bittar.