Título: AFRONTA AO ELEITOR DESMORALIZA ALERJ
Autor: Alessandro Molon
Fonte: O Globo, 19/04/2005, Opinião, p. 7

O placar de 37 a 25 votos no último dia 14 na Assembléia Legislativa do Rio absolveu o deputado Alessandro Calazans da acusação de quebra de decoro parlamentar e condenou a Alerj ao isolamento por ter, mais uma vez, agido alheia à vontade do eleitor e contra o desejo da sociedade de ver a Casa cortar na própria carne. O corporativismo protegeu Calazans e, como esperado, desmoralizou a Alerj. Ao ignorar as provas contra o colega, os deputados que votaram contra a cassação contribuíram para rebaixar a política e enfraquecer a democracia e colaboraram com o sentimento de descrença nos políticos.

A desconfiança com que o eleitor está olhando hoje a Alerj tem razão de ser. Como os deputados podem desprezar uma gravação declarada autêntica por dois peritos, em que o presidente da CPI da Loterj trata da retirada do pedido de prisão de Carlos Cachoeira do relatório final? Se uma conduta como esta não merece punição, o que merece ser punido? O recado deixado é de que qualquer desvio ético será tolerado na Alerj.

Este desfecho estava sendo anunciado nos cinco longos meses em que a Comissão de Constituição e Justiça se debruçou sobre a acusação. De posse de uma prova material incontestável, que era a gravação, a CCJ se limitou à análise da autenticidade da fita. Foram meses de espera por um terceiro laudo, que só fez confirmar o primeiro.

A CCJ se recusou a ir além das denúncias contra Calazans. Não quis saber, por exemplo, se outro deputado estava envolvido no triste episódio. Basta lembrar que em momento algum, apesar da minha insistência, a CCJ ouviu o depoimento de Jairo Martins de Souza, o emissário de Cachoeira que gravou a conversa, ou de qualquer outra testemunha. Além disso, a CCJ impediu que qualquer deputado, membro da comissão ou não, fizesse perguntas a Calazans. É inédito um processo em que o réu não seja interrogado.

Estas lacunas impediram a CCJ de ir mais fundo nas investigações, mas não de reunir elementos capazes de justificar a perda do mandato do acusado. A conversa do deputado com Jairo é tão esclarecedora que foi suficiente para justificar o pedido de cassação por quebra de decoro enunciado no projeto de resolução aprovado pela CCJ por seis votos a um. O placar da votação na comissão acalentou esperanças de que a Alerj cumpriria seu dever, por mais doloroso que fosse. Mas não.

Imediatamente após o resultado, iniciou-se a discussão sobre a legalidade da votação sobre a cassação do mandato com voto aberto, como previsto na Constituição estadual, desde 2001. A decisão de realizar a votação secreta foi a primeira vitória do atraso. A Alerj, pioneira na adoção de voto aberto para toda e qualquer decisão, violentou o direito dos eleitores de saberem como seus representantes se posicionaram diante de questão tão grave.

O restabelecimento do voto secreto foi condição importantíssima para a absolvição de Calazans. Com certeza, vários dos 37 deputados que votaram contra a cassação não agiriam assim se o voto fosse aberto. Os estragos do voto secreto foram previstos pela bancada do PT, que defendeu o voto aberto.

Nós, deputados do PT, demos ciência ao Ministério Público estadual de todos os procedimentos realizados pela CCJ e estamos recorrendo à Justiça contra a votação que feriu a Constituição estadual por ter sido realizada de forma secreta. Nossa esperança é que a Justiça corrija este equívoco e, que restabelecida a ordem legal, possamos minimizar o impacto deste resultado sobre a credibilidade da Alerj. Mas será difícil o eleitor esquecer das imagens de deputados e de apoiadores do acusado festejando o resultado no plenário da Alerj. A alegria de alguns serviu como afronta à vontade da opinião pública.

Deste desastrado episódio podemos ao menos tirar uma lição. É cada vez mais urgente a aprovação do projeto de criação do Conselho de Ética na Alerj, a fim de que regras mais claras e procedimentos mais ágeis possam guiar outras apurações, se elas infelizmente forem necessárias.

ALESSANDRO MOLON é deputado estadual (PT-RJ).