Título: `CENSO¿ PARA COMUNIDADES POBRES
Autor: Paula Autran
Fonte: O Globo, 10/04/2005, Rio, p. 25

Levantamento, feito por jovens de 8 complexos, norteará politicas estaduais

A jovem recenseadora entra na casa e, prancheta na mão, anota dados sobre o domicílio e a família de Antônio Carlos Leandro, de 50 anos, e Delma dos Santos, de 44. Há 14 anos morando em Nova Jersei, no Complexo de Antares, em Paciência, é a primeira vez que o casal e as 12 pessoas com quem dividem quatro cômodos (quatro filhos, quatro genros e noras, netos e uma afilhada) entram em alguma estatística. Mais do que satisfeitos por saber que farão parte de um retrato de 128 comunidades carentes de oito complexos da cidade, eles estão felizes porque já podem começar a tirar proveito social disto.

¿ Conseguimos escola para o meu neto que não estudava e creche para outro neto, de dois anos e meio ¿ conta Delma, que terá isenção da taxa necessária para fazer segunda via do documento de identidade, perdido há tempos.

¿ Em 14 anos aqui, nunca recebi a visita de alguém do Censo. É a primeira vez que as pessoas vão saber que a gente existe e vão poder nos ajudar ¿ completa Antônio Carlos, um gari comunitário que está ganhando a oportunidade de fazer um curso supletivo para concluir os estudos, parados na 3ª série do ensino fundamental.

Levantamento gera cadastro para programas sociais

Essas são apenas soluções emergenciais para os problemas que os 1920 recenseadores do projeto ¿Jovens Amigos da Comunidade¿ (todos jovens de 16 a 24 anos, moradores das próprias comunidades que mapeiam) encontram nas 57.600 famílias que começaram ser pesquisadas em agosto. Depois que esta espécie de censo de comunidades carentes do Rio estiver concluída, no fim de abril ¿ até agora, dos 42 mil formulários prontos, 35 mil foram digitalizados ¿ será gerado o Cadastro Único para Programas Sociais, um banco de dados sobre domicílio, família e indivíduo.

Com base em informações sobre coleta de lixo e de esgoto, abastecimento de água e de energia elétrica, situação educacional ou de saúde do indivíduo, por exemplo, não apenas o governo do estado poderá orientar políticas públicas, mas também a própria comunidade ou representantes da iniciativa privada terão como promover melhorias locais.

¿ Não é um censo, é uma amostragem feita com todo o critério. Utilizamos a mesma metodologia do IBGE para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (Pnud), com a diferença de que eles não cobrem comunidades desta forma. Queremos saber como estas pessoas vivem através de informações que elas mesmas produzem ¿ explica o sociólogo Gleyson Rocha, da Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), coordenador de tecnologia da informação do projeto.

O levantamento está praticamente concluído ¿ com formulários quase 100% respondidos e 66% digitados ¿ em complexos como os de Antares, da Tijuca e da Maré. Em Antares, ainda falta entrevistar 40 das 450 famílias selecionadas. Mas os convênios já permitiram que se conseguisse vagas em escolas para 62 crianças, empregos para dois adultos numa fábrica de chocolates e documentos para mais de 400 moradores. Nos oito complexos, já houve 7.785 encaminhamentos, a maioria para a obtenção de documentos (só carteiras de identidade, foram providenciadas 2.275).

Moradores fazem mutirão para preparar área de lazer

Os moradores de Antares também estão arregaçando as mangas: após fazerem campanhas para recolher alimentos e roupas para os mais necessitados, marcaram para hoje um mutirão que pretende reunir cerca de 200 pessoas para limpar a área onde pretendem construir uma área de lazer, depois que esta foi apontada como uma das principais carências da comunidade.

Até o secretário de Ação Social, Fernando William, ficou de aparecer para ajudar. A Cedae vai ceder uma pá mecânica e dez funcionários para a tarefa. A Comlurb vai retirar o lixo e o DER fará o projeto base da área de lazer.

¿ A gente não imaginava quanta miséria havia no nosso próprio bairro, quantas famílias inexistentes (sem documentos), quantas pessoas sofrendo de tuberculose... ¿ conta Natália Nogueira, de 20 anos, que há 13 anos vive na comunidade e faz curso técnico de Informática.

Como ela, outras jovens amigas da comunidade de Antares passaram a conhecer mais da realidade do lugar em que vivem. Luciana Cristina de Azevedo, de 22 anos, diz que em uma das casas viu gente cavando buraco atrás de insetos para comer.

¿ Entrevistei famílias que tinham esgoto dentro de casa, comiam sopa feita com plantas ou pelanca de carne. Sai chorando de uma das casas ¿ relembra Ellen Alves, de 18 anos e grávida de nove meses.

Os resultados também surpreendem os responsáveis pelo projeto.

¿ Calculávamos uma média de cinco pessoas por família, mas encontramos até 23 pessoas numa mesma casa. A média por família está entre 8 e 10 pessoas ¿ relata Marialva Pereira, gerente geral.