Título: O BOLSO DE CADA UM
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 20/03/2005, Economia, p. 33

Brasil, um país classe C

Nas 83 maiores cidades, dois terços das famílias têm renda média e baixa, diz FGV

De cada três famílias brasileiras, duas estão nas classes C e D. São 5,89 milhões de lares no segmento médio e outros 4,67 milhões no de baixa renda. Já o topo da pirâmide social nas 83 maiores cidades do país abriga 27.385 lares do universo de 15 milhões de domicílios, onde vivem 57 milhões de pessoas. As informações estão num estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), no qual os consultores Luiz Affonso Romano e Rogério Gerber analisaram o perfil de consumo das famílias ¿ cruzando dados do Censo 2000, de pesquisas domiciliares da FGV e do Código de Endereçamento Postal (CEP) ¿ e criaram uma nova divisão de classes no país. Em vez do critério padrão da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep), que separa o Brasil em sete grupos, a dupla propõe nove categorias: de A0 a E.

No primeiro segmento vivem as famílias mais abastadas. A renda média dos exclusivíssimos A0 é de nada menos que R$26.827 por mês. São 81 mil pessoas que habitam não mais de 550 ruas e avenidas Brasil afora. No Rio, os A0 estão em apenas 0,7% dos CEPs, áreas de modo geral espremidas entre o mar e a montanha, na Zona Sul da cidade. Em toda a capital fluminense, não há mais de 155 endereços A0. A classe A inclui ainda os subgrupos A1 (renda familiar de R$11.293 mensais) e A2 (R$8.313).

É gente como a aposentada Mary Justiniano Carrate, que vive com o marido, duas filhas e duas netas num apartamento de quatro quartos no bairro de Botafogo. A renda mensal dos quatro adultos passa de R$10 mil por mês; há dois carros na garagem; e as crianças, Vitória e Júlia, ambas de 10 anos, estudam em escolas particulares. É uma vida confortável, mas não luxuosa, diz dona Mary:

¿ Para mim, minha família é de classe média.

Pensamento semelhante tem Denise Thomé da Silva, gerente da Caixa Econômica e vizinha de bairro de dona Mary. Ela mora com o marido, Mauro Romano, e um casal de filhos, de 20 e 25 anos, num sala e dois quartos, numa das principais ruas de Botafogo. Com renda mensal de R$9 mil, a família não tem hábitos sofisticados, mas se permite pequenos luxos, como viajar nas férias, assistir a dezenas de filmes no cinema e em DVD e comprar livros.

¿ Também não abro mão da empregada nem de uma alimentação saudável, de qualidade. Mas eu não me classificaria como classe A. Somos classe média ¿ diz Denise.

¿ Não diria que sou classe A, mas não acho essa classificação absurda, diante da escolaridade e do nível de renda da maioria da população ¿ completa Mauro.

O raciocínio do engenheiro, hoje dono de uma empresa de consultoria, resume a principal característica da distribuição de classes no Brasil: a desigualdade. A diferença de renda entre o pico e chão da pirâmide social é de 133 vezes. Enquanto no topo a renda per capita é de R$9.048 por mês, na classe E são R$68 por pessoa.

¿ A renda das famílias A0 é cem vezes a das E, mas a situação se agrava na comparação por pessoa porque as famílias mais ricas são menores (média de três integrante num extremo, contra 4,2 no outro) ¿ assinala Rogério Gerber.