Título: O BOLSO DE CADA UM: PREÇOS ADMINISTRADOS PESAM MAIS PARA OS MAIS POBRES
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 20/03/2005, Economia, p. 33

Tarifas representam quase 20% dos gastos das classes baixas cariocas

Na classe A, gasto não passa de 8,8%; imposto direto reduz desigualdade

SÃO PAULO. O princípio da progressividade, pelo qual paga mais quem ganha mais, não vale para os preços administrados pelo governo. Um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) mostra que o pagamento de tarifas de energia elétrica, telefonia e transporte urbano representa hoje quase 20% das despesas totais do carioca de classe média ou baixa e mais de 13% em São Paulo. No caso de quem conseguiu alcançar o topo da pirâmide salarial no país, a mordida é de no máximo 8%.

Na comparação entre as duas principais regiões metropolitanas do país, os cariocas perdem mais do que seus vizinhos de São Paulo. Na média do Grande Rio, os gastos com tarifas públicas somam R$837,883 milhões mensais, o equivalente a 13,5% das despesas totais da região com produtos e serviços (R$6,207 bilhões). Em termos proporcionais, é mais do que o desembolsado pelos paulistanos (9,2% do total) e do que a média do Brasil inteiro (9,8%).

A Fecomércio dividiu os 11.789.372 moradores da Região Metropolitana do Rio em cinco classes de renda. A classe A, que inclui quem recebe mais de 30 salários mínimos por mês (hoje R$7.800), ocupa 8,8% do seu consumo total com as contas de energia elétrica, telefone e passagem de ônibus ou trem. São R$174,533 milhões todos os meses. Essa despesa salta para 13,4% na faixa de renda de dez a 30 salários (classe B pela classificação do estudo) e chega a 17,2% na classe C (de cinco a dez salários de renda), a 19,9% na D (de dois a cinco salários) e a 18,3% na E (formada por quem não recebe mais do que dois mínimos mensais, ou R$520).

A inclusão dos tributos diretos (como Imposto de Renda, IPTU e IPVA) consegue amenizar um pouco a desigualdade, mas não o suficiente para inverter o jogo a favor de quem ganha menos. No caso do Rio, a soma das despesas com tarifas e impostos engole 20,5% dos gastos totais na classe A. O percentual cai para os 19% nas duas classes seguidas, mas volta a subir e vai a 22,1% na D e 20,4% na E.

Remédio preocupa mais as faixas de renda maiores

Mas se o IPTU diminui a desigualdade, o mesmo não acontece com o IR na fonte. Sob o argumento de que a inflação estava estabilizada, o governo deixou de corrigir as faixas de renda da tabela do IR.

¿ Teoricamente, a função do Estado é trabalhar para a distribuição de renda. Mas os serviços básicos e essenciais têm um efeito regressivo: o rico paga menos do que o pobre ¿ afirmou o economista da Fecomércio-SP, Fábio Pina.

Alguns gastos são emblemáticos da desigualdade. A preocupação com a compra de remédios, por exemplo, só aparece a partir da classe C, ficando em nono na lista das dez maiores despesas (R$9,38 mensais per capita). Na classe E, os remédios aparecem em quarto lugar (R$4,30). Uma possível explicação é que nas faixas de renda mais alta há acesso a serviço preventivo de saúde.

Os dados do estudo saíram do ProConsumo, uma base de dados com mais de 11 milhões de informações organizada pela Fecomércio-SP e pela consultoria Tendências, e mede com exatidão o poder de consumo nos 5.560 municípios do país.