Título: 15 ANOS DO CONFISCO
Autor: Liane Thedim e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 13/03/2005, Economia, p. 34

Plano Collor: sentença de morte no primeiro dia

Ex-integrante da equipe econômica reconhece que anúncio desastrado foi decisivo para o fracasso do programa

RIO e SÃO PAULO. O maior trauma financeiro da história do país completa 15 anos esta semana ainda vivo na memória dos brasileiros. O confisco do saldo das cadernetas de poupança, das contas correntes e das aplicações no overnight, principal arma contra a hiperinflação vivida na época, foi anunciado pelo então presidente Fernando Collor de Mello numa inesquecível manhã, no dia 16 de março de 1990. Mais tarde, atônita, a população se esforçava para entender as medidas em uma desastrada entrevista coletiva na qual a equipe que criou o plano não conseguiu responder a várias perguntas dos jornalistas:

¿ A certeza de que o plano havia fracassado nasceu no próprio dia do seu anúncio ¿ diz um ex-integrante dessa tropa de choque, que prefere o anonimato ao recordar a elaboração do programa.

A equipe era liderada por Zélia Cardoso de Mello, então ministra da Economia, e incluía Ibrahim Eris, na presidência do Banco Central (BC); Antonio Kandir, como secretário de Política Econômica; e Luis Eduardo Assis, como diretor de Política Monetária do BC. Segundo esse integrante, a equipe não previu todos os desdobramentos possíveis das medidas:

¿ Você vê a sua casa pegando fogo e tudo que tem à mão é um balde com água suja. Quem é que vai se preocupar se a água vai sujar o tapete? Em 1990, era tudo ou nada.

A casa incendiada foi a metáfora usada para se referir a uma inflação que naquele março chegou a 82% (pelo INPC). Os saques da poupança foram limitados a 50 mil cruzados novos, que passaram a valer 50 mil cruzeiros. Quantias acima desse valor ficariam depositadas no BC por 18 meses, mas o governo acabou por antecipar em um mês a liberação, em 12 parcelas mensais. Do overnight (operação financeira de um dia), foi possível resgatar 25 mil cruzeiros ou 20% do saldo, o que fosse maior. O bloqueio atingiu 70% dos ativos ¿ US$85 bilhões da poupança. Os preços foram congelados e o governo divulgava mensalmente tabelas com quanto deveria ser cobrado por produto, dos ovos ao arroz.

Recessão foi de 5,05% no primeiro ano

Sem dinheiro para girar a economia, o país entrou em profunda recessão. Em 1990, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas no país) caiu 5,05%. As empresas começaram a demitir funcionários e, uma semana depois do anúncio do plano, o setor da construção civil, por exemplo, já acumulava mais 13 mil postos de trabalho fechados. Entre 19 e 29 de março, a Bolsa de São Paulo caiu cerca de 50%. Pressionado, o governo começou a liberar cruzados novos nas primeiras semanas. Em pouco tempo, a inflação voltou e, em julho, já superava 20%.

Essas ¿torneiras de liquidez¿ são apontadas hoje por economistas como uma das causas para o fracasso do plano, assim como a falta de políticas fiscal e monetária apertadas.

¿ O plano não podia dar certo porque tinha um diagnóstico errado do problema. Era preciso atacar os gastos públicos. O plano gerou um custo alto para a sociedade e levou ao empobrecimento do país ¿ diz Fernando de Hollanda Barbosa, da Fundação Getúlio Vargas.

¿ Não houve quebra de contrato igual na história do país e isso gerou um trauma que até hoje perdura ¿ lembra o professor do Ibmec Business School Carlos Thadeu de Freitas, que foi diretor do BC em 1989.