Título: TERRORISMO E DEMOCRACIA
Autor:
Fonte: O Globo, 06/03/2005, O País, p. 12

Um ano depois do atentado na estação de trem de Atocha, em Madri, que matou quase duas centenas de pessoas e mudou radicalmente a situação política espanhola, levando à vitória do Partido Socialista nas eleições que se realizaram dias depois, um grande encontro internacional sobre democracia, terrorismo e segurança começa a discutir hoje, em Madri, estratégias para combater o terrorismo e, ao mesmo tempo, fortalecer a democracia.

O encontro é uma iniciativa do Clube de Madri, que reúne 55 ex-chefes de Estado ou de governo de países democráticos, presidido pelo ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Durante quatro dias estarão reunidos especialistas e formadores de opinião de várias tendências políticas, além de representantes de organizações não-governamentais, para, em diversos painéis, debater desde como instalar a democracia no mundo árabe até a influência do terrorismo na economia mundial.

Já que o tema tem sido objeto de inúmeras discussões em múltiplos foros, Fernando Henrique Cardoso está propondo que a reunião de Madri marque sua diferença através da afirmação de um conjunto de idéias-força, que contém em si críticas à política que vem sendo adotada pelos Estados Unidos no combate ao terrorismo desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

O ex-presidente americano Bill Clinton, que é presidente de honra do Clube de Madri, estará presente ao encontro e participará de um painel onde serão discutidos os caminhos a serem seguidos, dentro do pressuposto de que não é possível abrir mão dos controles democráticos com a desculpa de combater o terrorismo.

As idéias-força de que fala Fernando Henrique são as seguintes:

1. O terrorismo é uma ameaça à democracia e só pode ser vencido através da plena mobilização dos valores e recursos da democracia.

2. O terrorismo é uma ameaça global que só pode ser enfrentado através da plena mobilização da comunidade internacional e dos cidadãos.

3. Não é possível nem aceitável erigir a promoção da liberdade e da democracia no plano nacional como meta prioritária e, ao mesmo tempo, adotar políticas que enfraquecem a democracia no plano global.

4. O fortalecimento da ONU, o respeito aos direitos humanos e à ordem internacional, o reforço da cooperação internacional e a mobilização dos cidadãos são condições indispensáveis para o êxito de uma estratégia voltada, simultaneamente, para o fortalecimento da democracia e da governança global democrática.

5. A hora, agora, é de olhar para o futuro, juntar esforços e reconstruir um consenso em torno desses fundamentos da luta contra o terrorismo.

Durante os quatro dias do seminário, especialistas e políticos serão divididos em vários grupos de trabalho, que discutirão temas específicos como ¿As causas e os fatores subjacentes ao terrorismo¿; ¿Confrontando o terrorismo¿; ¿Terrorismo e a indústria do turismo¿; ¿Protegendo o espaço humanitário em face ao terror e à violência¿; ¿Da violência ao voto¿; ¿Mídia e terrorismo: amigos ou adversários?¿; ¿Barrando a disseminação das armas de destruição em massa¿ e ¿Terrorismo e a internet aberta¿.

Um bom exemplo de como as discussões incluirão os mais diversos pontos de vista, desde que democráticos, é a mesa redonda sobre ¿A guerra contra o terror e o conflito Árabe-Israel¿, que terá a participação de especialistas como Efraim Halevy (Israel), Abdel Moneim Said Aly (Egito), Saeb Erekat (Palestina), Terje Rod Larsen (Noruega) e Rob Malley (Estados Unidos).

Um espaço especial será dedicado à discussão do papel da sociedade civil no combate ao terrorismo. O caso espanhol é exemplar dessa participação, a começar pela reação da sociedade civil à tentativa de manipulação do governo da época, que apoiava os Estados Unidos na guerra do Iraque.

Com receio de que a repercussão do atentado fosse negativa para o seu partido, que era o favorito para a eleição de dias depois, o primeiro-ministro José Maria Aznar direcionou as investigações para a suspeita de que o atentado fora realizado pelos separatistas bascos do grupo terrorista Eta.

Os rumores de que o atentado havia sido de autoria dos terroristas islâmicos da al-Qaeda, em represália ao apoio do governo espanhol aos Estados Unidos, dominaram a opinião pública, foram espalhados pela internet e pelas mensagens dos telefones celulares, e o governo acabou tendo que admitir a verdade.

Essa tentativa de manipulação e a forte rejeição da sociedade espanhola à invasão do Iraque fizeram com que o Partido Socialista, que se posicionava contra a guerra e a favor da retirada das tropas espanholas do Iraque ¿ o que acabou acontecendo ¿ vencesse as eleições. O primeiro-ministro espanhol José Luiz Zapatero e o Rei da Espanha, Juan Carlos, estão entre os patrocinadores do encontro.

No painel que vai debater ¿Liberdade, Segurança e Liberdades Civis¿, participará o ex-chanceler Celso Lafer, ao lado de especialistas como Robert Goldman(USA), Nicolas Howen (Austrália), Jorge Dezcallar (Espanha), Terry Davis (Inglaterra), Justice Anand (Índia) e Irene Kahn (Bangladesh).

A discussão plenária sobre democracia e terrorismo terá a participação da ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright, e do deputado verde e ex-líder estudantil Daniel Cohn Bendit, o ¿Danny Le Rouge¿, um dos líderes das revoltas estudantis de maio de 68 em Paris e que foi aluno de Fernando Henrique na Sorbonne. O escritor brasileiro e best-seller internacional Paulo Coelho participará de um painel sobre ¿Religião e extremismo religioso¿.