Título: Um outro Palocci
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2005, PANORAMA POLÍTICO, p. 2

Com a economia deslanchando, o governo bem aprovado e a popularidade no alto, o presidente Lula corre o risco de perder estes ativos tão importantes para a reeleição se continuar repetindo erros e produzindo crises políticas. Parece faltar ao presidente, nesta área, alguém com a ascendência e a habilidade do ministro Palocci nas questões econômicas.

Nunca se vê o presidente pisar na bola ou dizer impropriedades em assuntos econômicos, embora viva tratando deles. As decisões são sempre discutidas previamente e se ele não está convencido, Palocci encontra os argumentos e a abordagem corretos. Tudo sem crise. Num dia róseo para Palocci como o de ontem, pelo anúncio do crescimento de 5,2% do PIB em 2004, ele até mandou recados políticos à oposição, mostrando que hora tão boa para o país não pode ser tisnada pelo exacerbação da luta política.

Foram os resultados econômicos, que começaram a aparecer entre maio e junho do ano passado, que salvaram o governo de outra crise política, o caso Waldomiro. Muitas outras vieram, culminando no resultado eleitoral, que deixou a coalizão governista em frangalhos. Lula não fez a reforma ministerial e o PT errou o quanto quis na condução da sucessão na Câmara. Até aí, dizem aliados de Lula, os resultados econômicos atenuaram os erros políticos. Mas agora já foram assimilados pela sociedade, já não devem funcionar como compensação. E agora, a guerra sucessória já está aberta.

Urge, portanto, dizem os angustiados e os sensatos, e os há também no PT, resolver logo a equação política. Além de pôr fim às ambivalências da coordenação, Lula precisa ter perto de si alguém capaz de convencê-lo ou de demovê-lo nas situações mais críticas. Alguém livre do temor reverencial que ataca os palacianos atuais. Eles costumam ter as soluções certas mas não ousam insistir com Lula.

Exemplo disso aconteceu na quinta-feira passada, depois do discurso no Espírito Santo, um presente surrealista ao PFL e ao PSDB. Deu-lhes chance de pedir um processo contra Lula por suposto acobertamento de irregularidades no governo deles. Que Lula disse o que não devia, não se discute. Ninguém, pelo visto, vai convencê-lo a travar a língua e a falar menos de improviso. Mas teria sido possível evitar o pior. Naquela noite, o secretário particular Gilberto Carvalho e o ministro Gushiken foram esperá-lo na Base Aérea com uma estratégia correta: o imediato esclarecimento do sentido de suas afirmações, através de nota oficial, fala do porta-voz, de outro ministro, do próprio Lula, o que ele achasse melhor. Mas ele recusou todas as alternativas e foi discutir cortes orçamentários com Palocci. Agora está surpreso com a reação da oposição. Como ficou surpreso com o escândalo produzido pela expulsão do jornalista Larry Rohter, embora tenha havido auxiliares contra, como Ricardo Kotscho.

Anteontem, com as chamas altas na Câmara, Lula recebeu no Planalto os senadores Renan, Sarney e Mercadante para discutir reforma ministerial. Houve reação imediata entre os líderes na Câmara. Nenhum deles foi chamado, e é na Câmara que será votado o pedido de processo do PSDB, se Severino não o mandar para o arquivo. Ontem, ganhou tempo, aconselhado pelo PP, que está louco por um ministério.

No entorno de Lula, Dirceu deixou de ser o braço político desde o caso Waldomiro e Aldo Rebelo é um São Sebastião, como já se comparou, flechado o tempo todo pelo PT. Faltam-lhe intimidade com Lula e força dentro do governo. Terá pouca utilidade a reforma ministerial se ela não resolver o problema da gestão política. E menos ainda, se Lula continuar tão auto-suficiente nesta área.