Título: CEGUEIRA
Autor:
Fonte: O Globo, 28/02/2005, Opinião, p. 6

Não dá voto, nem ibope. É comum políticos defenderem o sistema de cotas para universidades, controle do Judiciário, maiores salários para seus pares ou promotores de justiça darem entrevistas quando oferecem denúncia em casos que despertam interesse da imprensa. Inversamente, é raro, muito raro, encontrar deputados, políticos ou promotores de justiça que defendam direitos de presos. Afinal, isso não dá voto, não dá entrevista coletiva e causa repulsa em setores da sociedade.

Veja alguns direitos que constam na boa Lei de Execução Penal: atribuição de trabalho e sua remuneração; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de exposição sensacionalista. No capítulo Da Penitenciária, consta: ¿O condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório¿, sendo requisitos da unidade: ¿salubridade do ambiente pela concorrência dos fatos de aeração, isolamento e condicionamento térmico adequado à existência humana; área mínima de 6 metros quadrados¿.

É de se perguntar: alguém, em sã consciência, acredita que esses direitos sejam privilégios? E alguém crê que esses direitos sejam respeitados pelo Estado? Não. É claro. Pergunto também aos leitores: há algum movimento de defesa desses direitos? É claro que não.

A Lei de Execuções Penais que está em vigor é boa, correta e justa. Os direitos previstos não são regalias, mas condições mínimas para que o sentenciado, ao voltar ao convívio com a sociedade, possa reintegrar-se e, ao obter a sonhada liberdade, ter condições de levar uma vida digna.

É inacreditável que políticos que se dizem defensores dos direitos humanos fiquem em silêncio com essa ilegalidade praticada em todo o país. É inacreditável que representantes do Ministério Público se calem diante desse flagrante desrespeito à lei.

A sociedade está cega em relação aos presos. Parece que quanto pior melhor, afinal são ¿criminosos¿ e não têm direito a nada. Essa é frase comum e diária. Ignora-se que, sem condições de recuperação dos presos, ao recobrar sua liberdade, essas pessoas voltarão a delinqüir. A revolta será a motivação. A idéia de mudar a lei bem feita em vez de fazê-la cumprir é um retrocesso. Os representantes do Ministério Público, inertes em face da inércia do Estado, deveriam agir, como mandam seus estatutos.

A iniciativa pode não dar ibope, mas vai nos levar a um país mais justo e humano. E com menos criminalidade.