Título: Veredicto de terrorista testa plano de Obama para julgamentos civis
Autor: Savage, Charlie
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2010, Internacional, p. A14

Sentença. Ahmed Ghailani, envolvido nas explosões de embaixadas dos EUA na África, em 1998, foi condenado por 1 e absolvido de mais de 280 outras acusações; decisão aumenta as críticas à estratégia de julgar militantes da Al-Qaeda em tribunais federais

O veredicto do caso do primeiro prisioneiro de Guantánamo julgado em um tribunal civil, divulgado na quarta-feira, reacendeu o debate que envolve os esforços do governo de Barack Obama para restaurar o papel do sistema tradicional de Justiça no julgamento de casos de terrorismo.

Todd Heisler/The New York TimesIsolados. detentos de Guantánamo rezam em pátio interno O tanzaniano Ahmed Ghailani pode pegar entre 20 anos e prisão perpétua por envolvimento nos ataques contra embaixadas americanas na África, em 1998 - lançados antes do esforço conhecido como "guerra ao terror", que teve início após os ataques do 11 de Setembro. No entanto, como o júri o absolveu de mais de 280 outras acusações - entre elas as de assassinato -, críticos da estratégia de Obama disseram que o veredicto prova que os tribunais civis não são confiáveis para lidar com processos de terroristas da Al-Qaeda. "Trata-se de um trágico chamado para que o governo Obama desperte e abandone imediatamente o insensato plano de julgar os terroristas detidos em Guantánamo em tribunais civis federais", disse o deputado Peter King, republicano de Nova York. "Temos de tratá-los como inimigos e julgá-los em comissões militares em Guantánamo."

King deve se tornar o presidente da Comissão de Segurança Interna do Congresso na próxima legislatura, que assume em janeiro. Ele promete pressionar o Executivo sobre a questão dos julgamentos de acusados de terrorismo. Outros congressistas republicanos, como o texano Lamar Smith, próximo presidente do Comitê de Justiça, deram declarações similares contra a política de Obama.

Defensores do uso de tribunais civis defendem o veredicto. Para Mason Clutter, diretor de uma ONG favorável à medida, Ghailani deve receber uma pena longa e teria menos argumentos para recorrer da sentença do que se tivesse um julgamento militar.

"O sistema funcionou neste caso", disse Clutter. "Não acho que o sucesso seja medido pelo número de condenações recebidas. Ele deve ser avaliado com base em um julgamento justo, condizente com a Constituição e o Estado de direito."

Contradições. O júri não explicou o veredicto apresentado, que pareceu contraditório: Ghailani foi considerado culpado de conspirar para explodir as embaixadas, mas absolvido da acusação de conspirar para assassinar as pessoas que se encontravam dentro dos edifícios.

Alguns analistas especularam que isto pode ter sido fruto de um acordo dentro do júri, depois de se tornar aparente, no decorrer da semana, que um de seus 12 membros estaria defendendo um resultado diferente dos outros 11 jurados.

Além disso, muitos observadores viram fraquezas no caso montado pela promotoria. Parte das críticas feitas ao veredicto teve como base a ideia de que as provas teriam sido aceitas em um julgamento militar, mas não em uma corte civil. "Ao aplicar parâmetros legais aos quais todos os cidadãos americanos têm direito, o juiz incumbido do caso descartou provas importantes", disse Lamar Smith. "Como resultado, o júri absolveu o réu de todas as acusações de conspiração, com exceção de uma."

No entanto, os defensores dos julgamentos civis disseram que críticas como essa tinham como base uma premissa equivocada. Ao justificar a recusa de uma testemunha, o juiz Lewis Kaplan, que presidiu o julgamento, sugeriu que um juiz militar também rejeitaria o depoimento, apontando restrições contra o uso de provas obtidas por meio de tortura em julgamentos militares.

O caso ganhou forte contorno político e foi acompanhado tanto pelos defensores quanto pelos críticos da decisão tomada em 2009 pelo secretário de Justiça, Eric Holder, de processar em um tribunal federal Khalid Sheikh Mohamed e quatro outros acusados de envolvimento nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Ao mesmo tempo, ele enviou cinco outros casos à Justiça militar na esperança de que muitos outros processos fossem apresentados em ambos os sistemas pouco depois. Mas, em janeiro, a Casa Branca recuou da decisão de realizar em Nova York um dos julgamentos após protestos por causa dos custos de segurança, perturbações à ordem e ansiedade depois do ataque frustrado em um avião com destino a Detroit, no Natal de 2009.

Nos meses seguintes, dois detentos se declararam culpados diante de tribunais militares, em Guantánamo, e dois dos principais suspeitos de terrorismo - Najibullah Zazi, que planejava explosões no metrô de Nova York, e Faisal Shahzad, que tentou detonar um carro bomba em Times Square - declararam-se culpados em tribunais civis.

A questão de onde será julgado Mohamed, porém, permanece no limbo. Holder não apresentou novos casos de Guantánamo a nenhum dos dois sistemas de justiça, nem civil nem militar.

Prejuízo. Alguns dos defensores dos julgamentos civis reconhecem que a absolvição de Ghailani da maioria das acusações foi prejudicial à causa dos tribunais civis. Vários críticos destacaram a promessa de Holder de que "o fracasso não está entre as opções" em se tratando do processo contra os acusados de conspirar para os ataques de 11 de Setembro.

Para Juan C. Zarate, ex-assessor de segurança nacional no governo de George W. Bush, a questão é se o governo libertará um acusado de terrorismo inocentado por um júri civil. "Acredito que isto não acontecerá. Este caso mostra o quanto é complicado o debate político sobre como lidar com figuras importantes da Al-Qaeda, como Khalid Sheik Mohamed", disse Zarate.

Durante a campanha que o levou à presidência, em 2008, Obama prometeu fechar a prisão de Guantánamo, criada durante o governo Bush para abrigar suspeitos de terrorismo. Depois que assumiu, contudo, percebeu que a tarefa seria mais dura do que o previsto. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

PARA LEMBRAR África, o 1ºgrande palco da Al-Qaeda

Em agosto de 1998, caminhões carregados de explosivos arrasaram, praticamente ao mesmo tempo, as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia, deixando mais de 200 mortos e milhares de feridos. Foi a primeira vez que os nomes Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri, atual número 2 da Al-Qaeda, foram mencionados em jornais e redes de TV mundo afora. Os dois nem sequer constavam na lista de mais procurados do governo americano. Posteriormente, Bin Laden afirmou que os ataques eram uma resposta à "invasão" americana da Somália, a supostos planos dos EUA para dividir o Sudão e ao genocídio de Ruanda.

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