Título: Três análises sobre a situação da economia
Autor: Barros, José Roberto Mendonça de
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2010, Economia, p. B6

1. Economia muito aquecida: na semana passada, o IBGE divulgou o resultado do PIB brasileiro no 1.º trimestre de 2010. Como já era esperado, os números mostraram um forte crescimento da economia brasileira. Na margem, isto é, na comparação com o 4.º trimestre, crescemos 2,7%, o que equivale, se anualizarmos o número, a um crescimento de 11%. Um crescimento digno das economias asiáticas (a China cresceu no 1.º trimestre exatamente 11,9%). Comparando o primeiro trimestre deste ano com o do ano passado, o crescimento foi de 9%. O grande destaque em termos de setores ficou com a recuperação da indústria, com crescimento de 14,6% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Do lado da demanda, o consumo das famílias certamente foi impressionante (alta de 9,3%). Entretanto, surpreendeu positivamente a recuperação dos investimentos, com alta de 26% (sem dúvida, a baixa base de comparação ajudou, mas o número mostra uma recuperação importante dos investimentos).

Certamente, os estímulos fiscais concedidos pelo governo no final de 2008 e início de 2009 foram importantes para amenizar o impacto da crise financeira sobre a economia brasileira. Entretanto, os números chineses de crescimento do PIB no 1.º trimestre não deixam dúvidas de que, já a partir de meados de 2009, havíamos saído da crise. Sendo assim, não fazia mais sentido manter os estímulos fiscais lançados no auge da crise. Entretanto, o governo decidiu começar sua retirada apenas em março deste ano, quando já era evidente que o discurso de estimular a economia não tinha mais nenhuma aderência com a realidade. Se os indicadores de atividade não eram suficientes para comprovar tal situação, a aceleração da inflação e a deterioração das expectativas dos agentes quanto à inflação em 2010 e 2011 não deixavam dúvidas: já crescíamos muito acima da nossa capacidade potencial. Ou seja, independentemente do discurso governamental, há sim evidência de que o governo buscou influenciar positivamente o resultado eleitoral, caracterizando a existência de ciclo eleitoral clássico.

Ao mesmo tempo, não parece proceder a ideia de que a economia esteja desacelerando significativamente. A MB projeta que a economia brasileira irá crescer este ano por volta de 7,5%. Como ninguém projeta um crescimento anual de 9%, é aritmético que, nos próximos trimestres, o crescimento seja menor do que aquele já ocorrido. Entretanto, ninguém está reduzindo a taxa esperada para 2010. Fato facilmente observado com o que acontece no mercado de trabalho.

Certamente, um crescimento a taxas elevadas é o que todos desejam. Entretanto, resta saber se temos condições de sustentar taxas de crescimento neste patamar sem gerar desequilíbrios relevantes, que acabem por resultar na necessidade de forte desaceleração no período subsequente (criando uma trajetória de crescimento do tipo "stop and go"). Assim, o atual crescimento acelerado da economia brasileira tem duas consequências relevantes. Uma delas, não tão nítida para todos, mas já apontada nas estimativas realizadas por muitos agentes do mercado financeiro, é a inevitável (e necessária) desaceleração do crescimento a partir de 2011 para níveis mais compatíveis com nossa capacidade potencial, assunto que trataremos em outra ocasião. A outra, já bastante clara, é a aceleração da inflação. Isto nos leva ao segundo ponto.

2. A inflação de 2010 ficará acima da meta. Mas ela vai desacelerar?

Desde outubro de 2009, a inflação medida pelo IPCA vem acelerando na comparação dos últimos 12 meses, atingindo em maio de 2010 uma alta de 5,2%. Só em 2010, a alta acumulada já é de 3%. Assim, para que o IPCA volte para a meta de 2010, de 4,5%, seria necessário que, em média, sua variação fosse de 0,20% nos meses de junho até dezembro. Com a desaceleração da inflação de alimentos a partir de maio e a redução esperada nas tarifas de energia em São Paulo (a partir de junho), passou a ser possível cogitar números desta ordem para os meses de junho e julho. Daí porque muitos agentes revisam para baixo suas projeções de inflação para o ano fechado.

Na nossa visão, a despeito destes números mais tranquilos até julho, é inevitável que a inflação em 2010 fique acima da meta. Nossas projeções sugerem que, mesmo que a inflação de alimentos continue a contribuir positivamente, mantendo-se relativamente bem comportada (porém positiva na faixa de 0,20%), os demais itens do IPCA deverão continuar pressionados. O que resultaria em variações ao redor de 0,40% nos meses de agosto a dezembro. Para isso, basta olhar alguns exemplos. Como o mercado de trabalho ainda está bastante aquecido (basta olhar os números do Caged de maio), fica difícil imaginar uma queda mais expressiva em itens como despesas pessoais e saúde e cuidados pessoais. Além da generalizada alta nos custos salariais, a demanda aquecida vem puxando os preços de inúmeros materiais (como metais, que acabam por encarecer o custo de vida). Vai na mesma direção o setor de vestuário. Daí porque continuamos apostando num resultado para o ano entre 5,8% e 6%.

Há ainda de se lembrar que estes números pressupõem um comportamento favorável para os preços de alimentos, assunto que detalharemos a partir de agora.

3. O que esperar para o comportamento dos preços agrícolas no segundo semestre?

Há relativa tranquilidade de muitos analistas quanto ao comportamento futuro dos preços das commodities agrícolas nos próximos meses. Não compartilho inteiramente desta visão, por algumas razões. Primeiro, para alguns produtos agrícolas, existe um certo descompasso entre oferta e demanda, o que pressiona os preços. No caso do café, a aguda escassez de café fino provocou uma alta de 22% nas cotações de Nova York nas últimas três semanas. Isto se refletiu nas cotações locais, onde os preços atingiram os R$ 320 por saca. No suco de laranja, a redução esperada na oferta também provocou um reajuste das cotações, que subiram mais de 50% em dólares desde outubro passado. Na mesma direção vai o algodão, onde a redução da área cultivada nos Estados Unidos e a manutenção da demanda asiática resultou nas melhores cotações em vários anos, superior a 80 centavos por libra peso, o que equivale a uma alta de 40% em relação a outubro passado. Finalmente, na área externa, a soja tem se mantido firme no patamar de US$ 9,50 por bushel, apesar do elevado nível da safra 2009/2010. Explica este resultado a excepcional demanda chinesa e a elevação do esmagamento de soja no Brasil para a produção da mistura de 5% de óleo vegetal com o diesel.

Em alguns outros produtos existe potencial para elevação de preços, por razões domésticas resultantes de queda na produção. Este é especialmente o caso do arroz e do feijão. Finalmente, a meteorologia sugere que teremos um inverno mais seco e mais frio do que no ano passado, o que naturalmente eleva o risco de eventuais quebras na área dos hortigranjeiros. Em outras palavras, julgamos que passadas as próximas semanas, os preços de itens de alimentação têm uma apreciável possibilidade de pressionar o IPCA.