Título: Para Itamaraty, líder iraniano está blefando
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2010, Internacional, p. A8

Especialistas brasileiros dizem que Teerã não teria capacidade de enriquecer o urânio a 20%

O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, blefou quando ordenou o início do enriquecimento de urânio a 20% em seu país, na avaliação do Itamaraty. Especialistas brasileiros que acompanham o tema acreditam que essa jogada demonstra ousadia do líder iraniano, por envolver alto risco. Segundo eles, o Irã não tem capacidade de enriquecer urânio nesse nível em curto prazo e, com a declaração de ontem, Ahmadinejad pode provocar mudança de posição da China, o único membro do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas realmente disposto a vetar novas sanções contra Teerã.

A nova iniciativa do Irã deverá redobrar os esforços do governo brasileiro para não fechar os canais de diálogo entre o governo iraniano e as potências do chamado sexteto (EUA, Grã-Bretanha, França, China, Rússia e Alemanha) em favor de um "fato novo" que pudesse facilitar a solução para esse impasse. Na visão do chanceler Celso Amorim, o "fato novo" seria o acordo de troca de urânio iraniano enriquecido a 3,5% por combustível nuclear da França.

Na semana passada, quando já se prenunciava outra vez a relutância do governo do Irã em aceitar o acordo, Amorim conversou com o chanceler iraniano, Manuchehr Mottaki. Um dia antes, em um seminário sobre desarmamento nuclear, em Paris, Amorim declarou que ambos os lados não deveriam "deixar que essa oportunidade (o acordo) fosse esquecida".

No Itamaraty, há convicção de que o primeiro gesto em favor desse acordo partiu do próprio Ahmadinejad. Suas idas e vindas, depois de formulado o acerto, decorreram de pressões políticas internas ? a oposição é um dos principais eixos defensores do uso militar da energia nuclear ? e também da insegurança com relação ao cumprimento do acordo.

Com a confiança desgastada, especialmente depois da revelação do reator mantido em segredo em Qom, em 2009, o Irã passou a contar com poder de barganha cada vez menor até mesmo para defender interesses legítimos.

Ahmadinejad diz, entretanto, que ainda faltam garantias de que a França realmente forneceria o urânio necessário, como previsto na tentativa de acordo. Daí sua proposta de entregar o estoque divido em três cotas ? cada uma de 400 quilos ? e sua exigência de receber simultaneamente o combustível nuclear. A França aumentou ainda mais a dúvida iraniana ao declarar que sua estatal nuclear, Areva, não teria condições de entregar combustível ao Irã antes de dois anos, por conta dos compromissos anteriores de fornecimento.

Como o Irã dispõe de combustível para cerca de um ano, seu reator teria de ser paralisado se não houvesse condições de receber de outra empresa. Para o Itamaraty, uma forma de contornar esse problema seria a França dar prioridade política para o Irã no esquema de produção da Areva. Mas a França não quer dar mais uma chance ao Irã e considera que a imposição de novas sanções é a melhor forma de lidar com esse país.

Neste mês, a França ocupa a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. As retaliações sobre pessoas físicas e empresas ligadas à Guarda Revolucionária iraniana já foram listadas pelos EUA, mas não foram apresentadas ao comitê que acompanha as sanções anteriores por conta da resistência da China.

Para o Itamaraty, assim como a Rússia cansou-se das idas e vindas do Irã e passou a apoiar as sanções, o governo chinês fará o mesmo. Assim, os esforços do governo Luiz Inácio Lula da Silva terão fracassado, mesmo com o voto contrário do Brasil, que é membro não-permanente do Conselho de Segurança.