Título: ANS suspende cobrança de planos
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2010, vida&, p. A21

Rede pública deveria receber por atendimento a pacientes das operadoras, mas sistema não funciona desde março

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu entre o fim de março e abril do ano passado a cobrança da quantia que os planos de saúde devem ao sistema público, sob alegação de problemas na base de dados do Ministério da Saúde, revelam documentos do próprio órgão obtidos pelo Estado.

Mesmo com o sistema impossibilitado pelos problemas operacionais, a ANS e o ministério lançaram, em junho de 2009, um mecanismo eletrônico de ressarcimento - o pagamento se refere a pacientes de planos de saúde que são atendidos na rede pública. A ferramenta, que agilizaria o processo, prometia arrecadar até R$ 140 milhões por ano para a saúde pública - mas não saiu do papel. A suspensão da cobrança do ressarcimento foi informada recentemente ao Tribunal de Contas da União (TCU).

O órgão fiscalizador detectou uma série de falhas no sistema e apontou, em relatório divulgado em março de 2009, que o SUS deixou de arrecadar R$ 10 bilhões entre 2001 e 2008. Desde então, cobrava respostas sobre as mudanças necessárias no mecanismo de ressarcimento.

Segundo o Estado apurou, a suspensão da cobrança é considerada grave por integrantes do governo e da agência. Além disso, a paralisação ocorreu no momento em que a ANS ainda analisava as contas do segundo trimestre de 2006 e atrasa ainda mais o já precário mecanismo de devolução de recursos ao SUS. "(...) A suspensão dos processos de ressarcimento ao SUS beneficia, unicamente, as operadoras de planos privados de assistência à saúde, em detrimento do erário público e dos recursos disponíveis para a assistência à saúde da parcela da população que não dispõe de planos de saúde", reconhece a agência em documento.

Questionada nesta semana, a ANS confirmou o problema operacional e disse que tem "trabalhado no aperfeiçoamento do sistema". "Esse trabalho é desenvolvido simultaneamente a outras medidas já anunciadas pela ANS para garantir o ressarcimento dos planos de saúde ao SUS", informou. A mesma resposta foi dada pelo ministério. Os dois órgãos não concederam entrevista. Leôncio Feitosa, ex-diretor de Desenvolvimento Setorial, responsável pelo ressarcimento, também não falou.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, colocou a melhoria do ressarcimento ao SUS como prioridade. Ele participou, ao lado do presidente da ANS, Fausto Pereira dos Santos, do lançamento do novo sistema em junho.

O ressarcimento está previsto na lei dos planos, de 1998, e visa devolver aos cofres do SUS os recursos públicos gastos para atender quem tem a cobertura de planos, evitando subsídios indevidos ao setor privado. Também evita que as operadoras usem do atendimento SUS para negar ou dificultar atendimentos. As empresas de planos são contra e querem a extinção do mecanismo. "Não sei se é má-fé ou incompetência. Todas as ideias que surgiram para o ressarcimento são tecnocráticas e não foram discutidas", diz Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio.