Título: Acertos do conselho superam os erros
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2009, Nacional, p. A6

Mendes quer resolução para evitar "suntuosidade" de obras e ainda rebate críticas do presidente do TJ-SP a metas do CNJ

BRASÍLIA

Entrevista Gilmar Mendes: presidente do STF e do CNJ

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Gilmar Mendes diz que o órgão de controle externo do Judiciário estuda adotar uma resolução para definir quando e como devem ser feitos os gastos com obras. O objetivo é evitar "a disfuncionalidade e a suntuosidade". Para ele, faz parte da política do CNJ estabelecer uma cultura que ajude a modernizar o Poder.

Em entrevista ao Estado, o ministro afirma que o trabalho do conselho é um caminho sem volta. Mendes ainda responde ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Roberto Belocchi, que chamou de "sonho de uma noite de verão" a meta 2 do CNJ - identificar os processos mais antigos e julgar até o final deste ano todos os que foram distribuídos até 31 de dezembro de 2005.

O número de juízes investigados aumentou 653% neste ano, quando foram abertas 113 sindicâncias. Não havia investigação antes?

Tem havido uma série de medidas e providências por parte do CNJ, tomadas a partir da realização de inspeções e audiências públicas. Muitas das denúncias que chegaram foram transformadas em processos administrativos. Eu acredito que o conselho está realmente muito ativo e fazendo todas as verificações. Por exemplo, quando nos mutirões carcerários se detectam falhas graves administrativas e funcionais imputadas a juízes, os próprios juízes auxiliares (do CNJ) têm sugerido que se abram procedimentos administrativos. Mas temos no Brasil 15 mil juízes. De modo que esse número não é tão expressivo nem fala sobre a qualidade e honestidade dos juízes.

O sr. vai deixar a presidência do CNJ no próximo ano. A linha de atuação vai ser mantida?

Será dada continuidade ao trabalho. O órgão está criando uma cultura e estamos agora na terceira composição. Está procurando institucionalizar as políticas que vêm sendo definidas no que diz respeito a inspeção, audiência pública, mutirão carcerário, problemas ligados à infância, as metas gerenciais e planejamento estratégico. Essas medidas são a tradução da necessidade de ter um Judiciário mais moderno. Um exemplo é a resolução que se adotou quanto à jornada de trabalho. Alguns tribunais reduziram a jornada de trabalho e, com isso, gastavam mais em hora extra. Embora os servidores fossem contratados para 40 horas, os tribunais acabavam tendo uma jornada de trabalho semanal menor. A resolução teve o objetivo de controlar esses gastos excessivos.

É, então, um caminho sem volta?

Eu acho que sim. A minha percepção, em termos de modernização, é a mesma do ministro Cezar Peluso (que vai assumir a presidência do STF e do CNJ no próximo ano). Temos tido integração.

Na década de 90, o Judiciário gastou bilhões com a construção de grandes prédios. Agora, está em construção uma nova sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O que o CNJ pode fazer para tentar acabar com essa cultura de investir muito em obra e pouco em produtividade e qualidade do serviço prestado ao público?

O CNJ tem comissões dedicadas a isso também. Está estudando critérios para o estabelecimento de diretrizes no que diz respeito à construção e padronização dos prédios. Hoje, estamos investindo muito na melhoria da gestão dos tribunais. Alguns reclamam, especialmente os estaduais, que não dispõem de condições sequer para fazer uma licitação segura. E nós estamos estendendo essa assistência técnica a eles. Essas melhorias todas vão refletir também na melhoria desses contratos. Precisamos ter um padrão de investimentos para evitar a disfuncionalidade ou, às vezes, suntuosidade, o que é um problema. Isso deve ser objeto de uma resolução do CNJ.

Os críticos do trabalho do CNJ dizem que ele se transformou num superórgão, que invade a competência administrativa dos tribunais e dos outros Poderes.

É natural que o órgão tenha esse momento de afirmação. E aqui ou acolá tem havido discussão sobre o seu papel no âmbito da magistratura como um todo. Mas, se nós fizermos um balanço, os acertos superam em grande escala os eventuais erros ou excessos cometidos. E, para eventuais excessos, tem o Supremo Tribunal Federal, que é o órgão ao qual o CNJ está vinculado.

O presidente do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, desembargador Roberto Belocchi, chamou a meta 2, estabelecida pelo CNJ, de "sonho de uma noite de verão". O que tem a dizer?

Meta não é determinação. É uma meta. Envolve um planejamento. Não é um sonho de uma noite de verão. Mais de 50% dos tribunais já cumpriram a meta. E muitos estão a mil processos de cumprir. O Rio já cumpriu 53% da meta. A meta está ajudando a organizar o Judiciário como um todo. A meta de São Paulo é de 500 mil processos e já foi cumprido algo em torno de 26%. Tentamos mudar paradigmas e é natural que haja reação. É preciso que o Judiciário se modernize e dê resposta para essas demandas. Tenho participado dos esforços de modernização, inclusive de São Paulo. Se trata de meta factível. Aqui ou acolá teremos problemas no cumprimento. Mas está ajudando a revelar a boa e a má estrutura.

Outra crítica ao CNJ é a de invasão de competências e violação até do pacto federativo.

Não procede. O CNJ está contribuindo para que haja uma qualidade de serviço público nacional. É esse o objetivo. Não se trata de não considerar as características de cada local. É necessário evitar que haja concentração de gastos nos tribunais e falta de recursos nas instâncias primeiras. Será que essa medida desrespeita o pacto federativo ou é uma medida responsável de um órgão de planejamento e coordenação? Encontramos locais em que havia 30 servidores à disposição do tribunal e nenhum servidor na primeira instância.