Título: País quer criar banco de doadores
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2009, Vida&, p. A25

Para aumentar o número de transplantes, governo estuda montar um cadastro nacional de adesão voluntária

O Ministério da Saúde pretende criar um banco nacional com dados de possíveis doadores de órgãos para tentar aumentar as doações no País. A proposta é ter um cadastro abastecido voluntariamente pela própria pessoa que concorda com a doação. As informações ficam disponíveis para consulta do sistema de saúde, facilitando o trabalho de captação dos órgãos em caso de morte encefálica.

Ontem, o ministério divulgou um balanço mostrando um aumento de 24,3% no número de transplantes de órgãos, com doador morto, realizados em todo o País no primeiro semestre.

Atualmente, a legislação brasileira prevê que aqueles que querem doar órgãos devem, em vida, manifestar a vontade à família. A consulta aos familiares segue a linha sucessória - primeiro é questionado o cônjuge, depois parente de primeiro e segundo graus. No entanto, a sistemática tem obstáculos que podem ser vencidos com a ajuda do banco de dados, defende Valter Duro Garcia, presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. "Muitas vezes não há um parente próximo", diz. Outro problema é que a decisão pode ser esquecida pelos familiares num momento de desespero.

Segundo Garcia, com a proposta, o próprio interessado em doar poderia se dirigir a uma secretaria de saúde, por exemplo, para se registrar. O sistema já existe nos Estados Unidos.

Rosane Nothen, coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes, diz que a ideia é implantar esse banco de dados auxiliar a "médio prazo", após o processo, já iniciado, de melhoria da atuação dos profissionais de saúde brasileiros na captação de órgãos. De acordo com Rosane, desde 2000 o ministério discute a criação do banco, chamado de registro positivo de doadores, mas problemas operacionais, principalmente quanto à segurança dos dados, inviabilizaram a implantação, agora retomada. O sistema deverá ser semelhante ao cadastro de doadores de medula óssea, já existente, mas com mais dispositivos de segurança.

O cadastro de doadores de medula não exige uma certificação da identidade pois o doador, se for chamado, tem de se apresentar pessoalmente e passar por novos exames. No caso dos doadores de outros órgãos e tecidos, a certificação é necessária. "A pessoa não está viva. E a área de saúde é alvo para trotes, a exemplo do que acontece com as ambulâncias do Samu", diz Rosane, que destaca que o custo do registro é mais alto.

O ministério, no entanto, considera que a população está cada vez mais disposta a contribuir. Uma das últimas pesquisas fornecidas à pasta mostrou que 60% dos brasileiros dizem que doariam órgãos. E os últimos dados apontam aumento de doadores efetivos.

Para o cirurgião Uenis Tannuri, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, uma medida como o banco nacional não vai aumentar o número de doações porque a família deve continuar decidindo sobre a questão, independentemente de a pessoa ter se declarado como doadora. "Um médico de bom senso jamais fará algo contra a vontade de uma família que passa por um momento de dor." Tannuri defende que os familiares tenha o direito de escolha.

Amanhã, no Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos, o ministério lança uma campanha para que as famílias conversem sobre a decisão de doar órgãos. "A vida é feita de conversas. Basta uma para salvar vidas", diz o slogan.