Título: O Brasil que se verticaliza em ritmo acelerado
Autor: Brancatelli, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Metrópole, p. C1

Há cidades espalhadas pelo País em que já se lançam mais prédios por m² do que em São Paulo e Rio

Rodrigo Brancatelli

Quem alardeia que São Paulo passa por um boom imobiliário nunca antes visto, desfilando números de lançamentos e valorizações, talvez não saiba apontar direitinho no mapa onde fica a cidade de Águas Claras. Tudo bem, não é nenhum pecado - mesmo quem mora em Brasília, a menos de dez quilômetros dali, também não saberia até poucos anos atrás. Mas o desconhecido município na região metropolitana da capital federal, criado em 1992 apenas para servir de passagem do trem urbano, é hoje um dos maiores canteiros de obras da construção civil brasileira. E serve também como um dos melhores exemplos de como a expansão imobiliária está mudando a olhos vistos a paisagem de dezenas de cidades.

Águas Claras tem hoje cerca de 60 mil moradores em 808 hectares, quase 400 edifícios prontos, 120 sendo erguidos e espaço para dobrar de tamanho. É uma pequena Dubai, cidade no Oriente Médio símbolo da construção desenfreada, ou um pedacinho da pujança asiática em pleno Distrito Federal. E não é única. Seja em Natal (RN), Palmas (TO), Nova Lima (MG), Goiânia (GO), Porto Velho (RO), Vitória ou Vila Velha (ES), a especulação das construtoras cria bolhas de euforia e recorde de lançamentos por m².

¿O crédito farto fez com que o boom se espalhasse¿, diz o diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, Luiz Paulo Pompéia. ¿Com a abertura do capital, as construtoras foram buscar terrenos mais baratos fora do eixo Rio-São Paulo.¿ Números não faltam para provar o fenômeno. Em Porto Velho, por exemplo, há 3 prédios em construção para cada prédio pronto. Em Goiânia, são 200 prédios. Já em Natal, foram emitidas no ano passado 330 licenças de construção, 700% a mais do que em 2006.

O detalhe é que, com todos esses prédios, vieram as pessoas, claro. Com as pessoas, os carros. E os acidentes de carros. E os assaltos. E a falta de água e a insuficiência da rede de esgoto. E muitos problemas estruturais, que nessas cidades se mostram ainda mais acentuados do que em São Paulo ou Rio por pura falta de planejamento e quase nenhum investimento na infra-estrutura urbana. A mesma Porto Velho que virou um canteiro de obras nos últimos cinco anos, por exemplo, já ostenta o título de 11ª capital com mais acidentes de trânsito com vítimas fatais e 3ª na lista das capitais com maior número de homicídios por 100 mil habitantes. ¿A principal questão é que não se calcula a capacidade de suporte das cidades¿, diz Cândido Malta, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. ¿Temos também uma herança do urbanismo português, que em vez de fazer ruas organizadas, em xadrez, preferia fazer coisas tortas, sem padrão. E o erro se perpetua, sem novos investimentos. O que poderia ser muito bom para o município e para as pessoas acaba virando um grande estrago.¿