Título: Avaliação ilegal e improdutiva
Autor: Figueiredo, Hermes Ferreira
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2008, Espaço Aberto, p. A2

Depois de ter divulgado, em janeiro e abril, listas de cursos de Direito de instituições particulares que terão de reduzir a oferta de vagas e diminuir o número de alunos, o Ministério da Educação (MEC) voltou à carga ao relacionar cursos de Medicina considerados deficientes e anunciar mudanças nos critérios para autorizar a abertura de novos cursos, por meio da Portaria MEC nº 474, de 14 de abril de 2008.

Embora nesta segunda investida o órgão tenha incluído também algumas instituições federais, durante semanas a cúpula do Ministério da Educação, em entrevistas e artigos publicados na imprensa, já havia responsabilizado a iniciativa privada por todas as deficiências encontradas no ensino superior brasileiro. O discurso do MEC para justificar suas ações, porém, traz asserções tão inadequadas quanto injustas e é sustentado por argumentos que a nada se prestam senão a distorcer a informação devida à sociedade.

Veja-se a declaração, repetida à exaustão, de que com essas medidas o governo passa do paradigma de que o ¿Estado avalia e o mercado regula¿ para o que seria ¿uma noção mais afinada com o artigo 209 da Constituição federal¿, de que o ¿Estado avalia e o Estado regula¿. Tal afirmação não vai além de mero truísmo. Primeiro, porque o mercado nunca quis regular as ações do MEC. Ele sabe quais são as suas atribuições e competências e as aceita e respeita nos limites do que cabe às suas instituições em termos de ampla defesa e do direito ao contraditório. Depois, porque o mercado sempre interferirá em ações governamentais voltadas para o setor educacional, pois é parte interessada e coadjuvante importante no processo de ensino. E, finalmente, porque é dever do Estado - no caso, a União - avaliar e regular o ensino público federal e o privado.

A questão é que o atual processo de avaliação, além de ser ilegal, se revela improdutivo. O maior exemplo é o emprego do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) como padrão de desempenho para as instituições de ensino. Ora, esse exame é apenas um ingrediente, de todos o mais frágil, do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), instituído pela Lei nº 10. 861, de 2004. A lei determina que a avaliação seja feita em todas as suas dimensões, que envolvem desde as políticas, as normas e os estímulos para o ensino, a pesquisa e a extensão da instituição, sua organização e gestão, seu planejamento, avaliação e infra-estrutura, até a política de atendimento aos estudantes, a comunicação com a sociedade, a responsabilidade social da instituição e sua sustentabilidade financeira. Somente uma vez concluída a avaliação completa é possível detectar as fragilidades das instituições a serem trabalhadas para o seu melhoramento. Da forma como a avaliação está sendo realizada e amplamente divulgada, além de ilegal, ela acaba por se tornar um instrumento de punição às instituições de ensino superior, induzindo a sociedade a equívocos de interpretação que em nada contribuem para o aperfeiçoamento dos serviços educacionais.

Também a propósito dos investimentos realizados por instituições particulares, nacionais e estrangeiras, tem havido uma investida contra a atuação do capital privado, valendo-se de expressões chulas como ¿escola não é padaria¿ e ¿educação não é mercadoria¿. Neste caso, fica evidente que combatem o que é salutar, sem oferecer alternativa válida.

No caso das instituições estrangeiras, a oferta do ensino se submete à lei brasileira e à supervisão pela autoridade educacional do País. Não haveria, portanto, o que temer, não fosse a fragilidade das ações do MEC, dos instrumentos de controle com que o órgão opera e dos argumentos e conceitos nada convincentes com que trabalham suas autoridades.

O setor do ensino superior particular jamais questionou o dever que tem o Estado de avaliar a qualidade do ensino oferecido em suas instituições, ciente de que se trata de um dever constitucional. Sabe também que a busca da qualidade crescente é indispensável ao sucesso de seus empreendimentos. O que tem questionado são os modos, as formas e as atitudes do MEC, que não contribuem para o aperfeiçoamento do sistema nacional de avaliação.

Somos favoráveis, inclusive, à redução de vagas e até ao fechamento de cursos e de instituições de ensino, desde que essas ações estejam fundamentadas na lei que criou o Sinaes. O processo educacional exige tempo, recursos, qualificação e persistência. Seu caminho para a qualidade é irreversível, mas depende fundamentalmente da coerência e continuidade de projetos e diretrizes. O MEC não pode macular uma instituição apenas porque obteve nota baixa no Enade num determinado curso, ou porque uma corporação profissional desaprova seus cursos sem estar legalmente qualificada para isso.

É lamentável que posições como essas sejam colocadas e difundidas pelo Ministério. Nos últimos dez anos, o setor privado foi o responsável pela democratização do acesso ao ensino superior no Brasil, permitindo que jovens de diversas regiões e do interior do País obtivessem uma graduação universitária. Por isso, é peça fundamental para ampliar o atendimento no futuro. Na verdade, para conter as ameaças que as autoridades ministeriais parecem identificar na presença da iniciativa privada no setor de ensino superior, bastaria o Estado prover a expansão acelerada da oferta de ensino público no Brasil, o que não foi feito até agora e é um dos fatores que impedem o País de alcançar níveis superiores de desenvolvimento econômico e social, como deseja, e tem direito, a sua população.

Hermes Ferreira Figueiredo é presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp)