Título: Exame brasileiro pode detectar até cem doenças em amostra de sangue
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2009, Vida&, p. A14

Método é mais barato do que testes atuais e será usado para identificar material contaminado, dizem cientistas

Lígia Formenti, BRASÍLIA

Um consórcio de institutos de pesquisa brasileiros, liderado pelo Ministério da Saúde, está trabalhando no desenvolvimento de um teste de diagnóstico capaz de pesquisar até cem doenças com uma pequena amostra de sangue. O trabalho tem como ponto de partida minúsculas esferas, com apenas 5 micrômetros de diâmetro, revestidas de um material encarregado de detectar anticorpos ou a presença de trechos do DNA de vírus e bactérias na amostra. Um micrômetro equivale à milésima parte de um milímetro. A expectativa é que o protótipo da pesquisa fique pronto até o fim do ano.

"Pelo nosso cronograma, até o fim de 2010 estaremos com parte do trabalho pronta para pedir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)", conta o pesquisador Marco Krieger, do Instituto Carlos Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz.

Embora a pesquisa esteja em curso, vários pedidos de patente já foram depositados. O objetivo é não apenas desenvolver o método, mas também todos os insumos envolvidos na análise dos exames.

Além de ser capaz de rastrear até cem diferentes doenças, o exame pode ser feito, de uma vez só, em cem pacientes. Por enquanto, no entanto, os pesquisadores trabalham com a possibilidade de o exame ser feito para pesquisar até 16 doenças, apenas.

Esse método traria duas vantagens: maior agilidade e redução de custos. Pelos cálculos de Krieger, um kit para realização de 16 testes custaria 10% do que é gasto atualmente com testes comuns. "Como a análise é feita simultaneamente em várias pessoas, para várias doenças, há economia de tudo, desde material reagente até pessoal", aponta o pesquisador.

CONSÓRCIO

Coordenado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o novo método é desenvolvido em uma parceria da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos), Instituto Carlos Chagas, Instituto de Tecnologia do Paraná e Instituto de Biologia Molecular do Paraná.

A ideia inicial é desenvolver kits específicos para serem usados em programas de governo. Um teste para usar em gestantes, por exemplo, poderia rastrear doenças importantes durante essa fase da vida: aids, hepatites, toxoplasmose, sífilis. Um outro kit pode ser usado também para testar bolsas de sangue, usadas em transfusões. Nessas bolsas seriam analisados, por exemplo, Chagas, aids e hepatites.

O consórcio, que já existe informalmente há quatro anos, trabalha em outros projetos. O lançamento mais próximo deve ocorrer também em 2010: um método de diagnóstico para HIV e hepatites chamado NAT.

VÍRUS

O procedimento, já usado em países desenvolvidos e em alguns bancos de sangue privados do País, procura fragmentos do DNA dos vírus causadores da doença e não o anticorpo do vírus, produzido pelo organismo. Essa diferença permite reduzir a janela imunológica, período no qual um sangue contaminado, mesmo submetido ao teste, pode dar um resultado negativo falso, pois o organismo ainda não conseguiu produzir anticorpos para combater o invasor.

"Com o teste, o sangue brasileiro ficará mais seguro", afirma o presidente da Hemobrás, João Paulo Baccara. Ele avalia que o consórcio, que será formalizado no próximo mês, será responsável por uma série de avanços. Além do NAT, o próprio teste com microesferas será útil para melhorar a qualidade do sangue. "Uma série de avanços estão a caminho", completa.

COMO FUNCIONA

Microesferas de polietileno de 5 micrômetros (o equivalente à milésima parte do milímetro) carregam antígenos de um determinado vírus ou bactéria

O método pode misturar até cem microesferas diferentes, cada uma capaz de detectar uma doença

Em cada poço de uma placa com cem poços é colocada uma gota de sangue de um paciente diferente

Em cada poço, são colocadas as microesferas: 2 mil para cada doença. Também é adicionada uma substância capaz de identificar se as microesferas entraram em contato com os vírus ou bactérias correspondentes

O material é colocado em uma máquina de leitura. As microesferas são analisadas e caso haja anticorpos contra os antígenos existentes de vírus, bactérias ou outros patógenos ocorre uma reação que é detectada com laser

A cada duas horas, é possível analisar testes de cem pacientes diferentes

Cada multiteste pode testar até cem doenças. O teste é considerado positivo caso 75% das 2 mil microesferas para uma doença sejam consideradas positivas

A ideia inicial é colocar em cada microesfera antígenos para doenças específicas

Microesferas podem usar também tecnologias diferenciadas, como o NAT. Em vez da presença de anticorpos, o exame identificaria a presença de trechos do DNA do vírus procurado. O que permitiria o diagnóstico mais cedo

A técnica pode ser usada para identificar várias doenças: Chagas, hepatites, HIV, HPV, sífilis, dengue, toxoplasmose, etc.