Título: 3 dólares: da crise, da bonança, do equilíbrio
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2009, Economia, p. B2

Dólar a R$ 2,51 é o dólar da crise. Essa foi a cotação alcançada em 4 de dezembro do ano passado, momento que deve ter sido o fundo do poço.

Já o dólar na casa de R$ 1,50 é o dólar da bonança. Essa era a cotação em junho/julho do ano passado, quando o Brasil ainda vinha no embalo daquele período de forte crescimento e de enorme entrada de dólares via exportações, investimentos diretos e no mercado financeiro (bolsa de valores e renda fixa) e financiamentos abundantes.

Isso acabou a partir de setembro de 2008. Tudo piorou, no mundo e aqui, o dólar escalou rapidamente na sequência da fuga de capitais, financiamentos zerados e queda forte das exportações (em volume e preço dos produtos brasileiros).

Atualmente não estamos mais no auge da crise. Há sinais de recuperação aqui e lá fora (mais aqui). Assim, nota-se certa recuperação nas exportações, capitais externos começam a voltar para a Bolsa e para a renda fixa, e governo, os bancos e empresas brasileiras voltam a tomar financiamentos no mercado internacional. Tudo moderadamente.

O que se pode concluir?

Se o dólar da crise é na casa dos R$ 2,50 e se o dólar da bonança ficou na casa de R$ 1,50 e pouco, qual seria o dólar deste momento de transição do fundo do poço para a recuperação?

A média daria R$ 2, mas os movimentos de câmbio são mais complexos do que isso.

Resposta de trambiqueiro - Se eu fosse um daqueles empresários chamados de "trambiqueiros" por Lula, por terem feito derivativos - coisa que o presidente associa a uma especulação sem vergonha -, eu responderia assim: "Ora, durma-se com um barulho desses! Então o governo do senhor comete essa barbaridade de deixar o dólar cair até R$ 1,50 e queria o quê? Que nós, exportadores, ficássemos sentados, chorando a perda de valor de nossas receitas? Se não tivéssemos feito os derivativos - operação legal, presidente, autorizada e até estimulada pelo seu Banco Central -, nossas empresas registrariam prejuízo toda vez que recebessem um dólar. O senhor ficou alardeando o sucesso de nossas exportações, e se esqueceu de defender o valor de nossas receitas. E o seu Banco Central ainda comprou barato os dólares que trouxemos para o Brasil. Mas nós estávamos apostando no real, não no dólar!"

"Depois, quando a crise veio, o seu governo demorou para reagir e deixou o dólar se valorizar rapidamente. Mas aí a gente já estava amarrado nos derivativos. A gente estava amarrado no real, presidente. E, em vez de pedir ao seu Banco Central que arranjasse uma saída honrosa desse episódio, sai por aí nos acusando."

"E olha o que está acontecendo agora: o dólar despencando e o seu governo faz o quê? Nada! Nada de novo! Se continuar assim, nós seremos obrigados a fazer, mais uma vez, os derivativos. É uma defesa, presidente. Em vez de nos acusar, peça ao Banco Central para baixar os juros."

Lula e a China - O presidente Lula dá um tom político-ideológico à sua diplomacia com aquela história de reunir o mundo emergente - os do Sul, os que não têm olhos azuis nem são brancos - para encarar os ricos de frente. Foi à China com essa retórica.

Saiu de lá com alguma conversa e dois negócios concretos: o governo chinês concedeu um baita financiamento à Petrobrás, em troca de um contrato de 11 anos de fornecimento de petróleo, e garantiu a abertura da China ao frango brasileiro.

Não tem política aí, tem apenas a estratégia diplomática chinesa, que consiste apenas nisto: garantir o fornecimento de energia, matéria-prima e alimentos.

Considere o frango. Nildemar Secches, da Perdigão, conta que quando entrou no mercado internacional seu maior concorrente era justamente o frango chinês.

Com o tempo, os chineses foram sumindo do mercado, por uma razão simples: com o aumento da renda de sua população, eles estavam comendo toda a produção, não sobrando mais para a exportação. Logo passaram a importar, mas dos Estados Unidos, o principal parceiro comercial da China.

Mas continuam precisando de mais frango. Faz algum tempo, fecharam acordo para permitir a importação do produto brasileiro. Mas não o implementaram. A operação estava autorizada, mas o importador chinês não conseguia licença para fechar o negócio.

Agora prometeram liberar as licenças. A ver.

Com o petróleo é a mesma história. Poucos anos atrás, a China exportava óleo bruto. Atualmente é importadora, e grande importadora. Já compra do Brasil. Mas o ritmo de crescimento chinês - e da produção de carros, por exemplo - indica que o país precisará de cada vez mais petróleo.

Daí o negócio com o Brasil: a Petrobrás vai fornecer o produto para 11 anos e, no negócio, os chineses financiam a estatal brasileira.

O outro negócio de interesse do Brasil não saiu: o governo chinês não liberou uma compra de aviões da Embraer, que já está contratada por companhia aérea da China. Aqui também não tem política. Os chineses vão precisar de muitos aviões do tamanho daqueles que a Embraer produz. Seria ótimo para o Brasil exportar esses produtos de intenso valor agregado, mas os chineses querem produzir lá e estão fazendo negócio com a Airbus e a Boeing, dos ricos.

Não tem estratégia de emergente. Aliás, desconfio que, para a China, a rede de varejo Wal-Mart é mais importante do que o Brasil. A Wal-Mart fez a vida vendendo produto chinês barato para o consumidor americano de renda média. Sem a Wal-Mart, boa parte da indústria chinesa fica sem freguês.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Site: www.sardenberg.com.br