Título: Além de juro, briga é por baixar spread
Autor: Pereira, Renée; Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2009, Economia, p. b9

Quase 70% dos juros referem-se à diferença entre o custo de captação do dinheiro e a taxa que os bancos cobram

Renée Pereira e Beatriz Abreu

A discussão em torno do elevado custo dos empréstimos no Brasil vai muito além do movimento de sobe-e-desce da taxa básica da economia (Selic), hoje em 13,75% ao ano. Na composição dos juros médios cobrados do consumidor brasileiro, quase 70% da taxa refere-se ao chamado spread bancário - uma denominação dada à diferença entre o custo de captação do dinheiro (no caso, a Selic) feita pelos bancos e os juros que eles cobram no mercado.

¿Isso significa que uma queda de 0,50 ponto porcentual na taxa Selic na reunião desta semana terá pouco impacto no bolso do consumidor¿, afirma o economista do Ibmec-SP, Domingos Pandeló. Nos últimos meses, com a piora da crise mundial, o spread médio do País subiu para 30,3%, o maior porcentual desde 2003, quando Lula assumiu a presidência da República. Desde aquela época, o Brasil é líder isolado no ranking dos maiores spreads do mundo. Título que, de tempos em tempos, vira bate-boca entre governo e instituições financeiras e escancara a necessidade de solucionar questões importantes que oneram o consumidor.

O item que mais pesa na composição do spread é a expectativa de inadimplência . Até 2007, ela representava 37,35% do total e os impostos, 18,62%. Segundo o analista da Austin Rating, Luis Miguel Santacreu, os dois itens subiram em 2008. No caso dos impostos, diz ele, houve aumento da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) dos bancos e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Já as previsões para inadimplência pioraram muito com a deterioração do cenário econômico e expectativa de queda de emprego e renda. Esse movimento não só elevou de forma significativa o spread nos últimos meses como também anulou o efeito da redução do depósito compulsório promovida pelo Banco Central. Até 2007, o compulsório tinha participação de apenas 3,59% no spread.

A grande crítica do governo está na margem de lucro dos bancos, que responde por quase 27% do spread total. Um pequeno corte nesse item já ajudaria bastante na redução da taxa de juros cobrada do consumidor. Da mesma forma, os bancos culpam a elevada carga tributária do País pelo alto spread e reivindicam a redução dos impostos.

Na avaliação do economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, além da inadimplência e dos impostos, o stress do spread nos últimos meses decorre especialmente da escassez de dinheiro no mercado. ¿A direção do spread depende do momento da economia. No fim do ano passado, houve uma alta nas taxas, mas acredito que elas vão recuar.¿

O governo também aposta em uma queda mais efetiva do spread a partir de março, quando o repasse dos US$ 20 bilhões das reservas cambiais destinadas ao financiamento externo para as empresas será feito, também, por meio de instituições financeiras no exterior. A partir daí, a pressão que hoje já existe para que os bancos oficiais liderem o movimento de redução do spread se intensificará. ¿Os bancos terão uma fonte de recurso a um custo competitivo e isso vai regularizar a oferta de crédito¿, diz uma fonte.

Normalizada a oferta de crédito externo, a questão da redução do spread será uma guerra sem trégua. ¿Aí, sim, será importante verificar a queda dos spreads quando os empréstimos forem feitos¿, diz um ministro. ¿A partir desse momento passa a ser importantíssima a ação dos bancos oficiais¿, acrescenta. A tese dominante é que continua nas mãos dos bancos oficiais a condução do processo de redução do spread.

A expectativa é que a maior oferta de crédito no mercado estimule a competição, que deve trazer a redução da taxa de risco que as instituições incorporam ao custo dos empréstimos. A oferta de crédito no País, que sofreu forte restrição a partir de setembro com a fase aguda da crise financeira internacional, está sendo avaliada sob dois aspectos: a demanda interna e a oferta de crédito externo, que se mantém escassa às empresas brasileiras.

Para especialistas, o governo deve aproveitar a oportunidade para colocar em prática o cadastro positivo, já que a inadimplência é o principal item do spread. Esse instrumento permitiria separar o mau pagador daqueles que estão em dia com suas contas.