Título: A PEC do Papai Noel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2008, Notas & Informações, p. A3

Ansiosos pelo risco de terem suas intenções frustradas pela chegada do recesso parlamentar, os senadores correm contra o tempo para tentar votar a emenda à Constituição que aumenta em 7.924 o número de vagas de vereadores do Brasil. É que a aprovação imediata dessa Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 20/08, chamada ¿dos Vereadores¿) é fundamental para que os suplentes eleitos em outubro último tomem posse no dia 1º de janeiro. Se aprovada em dois turnos, a emenda será promulgada e entrará em vigor imediatamente - quer dizer, não se esperará a próxima legislatura para fazer a ¿reposição¿ das vagas de vereador que haviam sido eliminadas pela Justiça.

Recorde-se que em abril de 2004 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou a decisão - depois confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - de eliminar 8.481 vagas de vereador em todo o território nacional. Como se tratava de interpretação dada, no Judiciário, a dispositivo constitucional, o caminho buscado pelos parlamentares federais, para desfazer - quase inteiramente - essa decisão da Justiça foi mudar o texto constitucional com uma emenda específica. Aprovada na Câmara dos Deputados em maio, a PEC também obteve aprovação unânime na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Para contornar a exigência regimental de um interstício de cinco sessões entre um turno de votação e outro, busca-se no Senado um acordo de lideranças, que permitirá que as votações ocorram em apenas uma sessão. Quem lidera essa articulação é o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Há que se indagar que interesse teria o governo em aumentar o número de vereadores. Mas, justiça se faça, os senadores da oposição - começando pelo líder tucano Arthur Virgílio (AM) - no máximo podem se mostrar ¿docemente constrangidos¿, revelando que são contra a Proposta, mas nada farão para impedir sua aprovação. É que o fisiologismo tem razões que a razão partidária desconhece...

Quando reduziram o número de vereadores, nem a Justiça Eleitoral nem o Supremo determinaram o correspondente corte de repasse de verbas às Câmaras de Vereadores. Assim, com a mesma verba distribuída para menos gente, ocorreu o que um senador baiano chamou de ¿galinha gorda¿: muitas Câmaras compraram novos carros, gastaram mais em viagens, etc. Agora se fala em aumentar novamente o número de edis ¿sem novas despesas¿ - tópico que faz o relator da PEC sentir-se envaidecido. Quer dizer, pretende-se substituir o gasto perdulário da ¿galinha gorda¿ pelo gasto perdulário com o salário de vereadores que não fazem falta em lugar algum. E, como muitos custos da ¿galinha gorda¿ terão de ser amortizados durante anos - como os de manutenção dos carros -, a ¿solução¿ será o aumento do repasse de verbas às Câmaras, para que façam face às despesas.

Um levantamento da Organização Não-Governamental Transparência Municipal concluiu que São Paulo será o Estado com maior aumento do número de vereadores, quando aprovada a PEC 20/08. Nas 645 cidades paulistas haverá mais 1.246 parlamentares - o que corresponde a 15,74% de todos os ¿repostos¿. Depois de São Paulo o maior número de novas vagas estará em Minas (884), Bahia (723), Rio Grande do Sul (498), Paraná (465), Pernambuco (455), Ceará (453), Pará (419), Maranhão (401), Rio (371), Santa Catarina (308) e Goiás (262). Não passará nem pela mais ingênua cabeça a idéia de que esse aumento significará, para cada legislativo municipal, algum tipo de aumento de eficiência, seja de que natureza for. O que é óbvio demais, para que se precise comprovar, é o acúmulo de pressões que os parlamentares federais têm sofrido de suas bases (para não dizer currais) eleitorais, para reverter o enxugamento feito em boa hora pela Justiça Eleitoral.

Certamente o que menos tem peso nesse processo de ¿recuperação de vagas¿ de vereadores, pelo País afora, é o interesse público. Essa Proposta de Emenda Constitucional nada mais é do que a PEC do Papai Noel... para seus beneficiários, é claro.