Título: Madeira tem uso restrito e hoje vira arco de violinos
Autor: Amorim, Cristina
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Vida &, p. A29

Cavacos de madeira vermelha no chão denunciam que em uma pequena oficina na zona oeste de São Paulo o pau-brasil é a matéria-prima. Eles são restos de ripas transformadas pelas mãos habilidosas do arqueteiro Daniel Lombardi em arcos para instrumentos de cordas, usados por músicos de todo o País.

Desde o século 18, a madeira do pau-brasil é considerada a mais adequada para a produção do objeto. Ela apresenta características ideais para a finalidade: estabilidade, plasticidade quando aquecida - parte do processo de manufatura -, beleza, cor, textura e bom comportamento na hora de fazer vibrar as cordas do instrumento.

Essa é atualmente a única aplicação comercial em larga escala da árvore-símbolo do Brasil. Sua utilização na arquetaria mundial ajudou a colocá-la na lista de espécies ameaçadas de extinção, somada à exploração intensiva dos europeus durante 400 anos para ser usada como corante na indústria têxtil. Hoje, seu corte depende de autorizações especiais.

Lombardi tem uma tora de 70 metros cúbicos adquirida antes das limitações de derrubada. Como o uso é racional - ele não descarta imediatamente uma ripa por causa de um nó, por exemplo, como fazem alguns arqueteiros puristas -, e sua produção é de três arcos por mês em média, ele não prevê a compra de mais madeira. ¿Um metro cúbico dá para uma vida¿, diz. Cavacos e lascas que sobram são recolhidos e aproveitados por um artesão.

O LEQUE SE ABRE

Tão importante quanto a economia é a experimentação que ele conduz, em parceria com o pesquisador Eduardo Longui, do Instituto Florestal, para testar o potencial de outras madeiras. Eles analisam de 10 a 12 espécies, entre elas as nativas maçaranduba e pau-santo.

Cada uma passa por todas as fases de produção do arco - é cortada, oitavada, flexionada. A densidade e a capacidade de propagação de ondas são medidas e anotadas. ¿Estamos trabalhando para tentar estabelecer parâmetros para outras madeiras¿, afirma. ¿Se a gente não usar as informações, elas podem servir para outras pessoas no futuro.¿

Uma peça clássica que sai do rádio toma a oficina. O arqueteiro, um ex-arquiteto que tomou gosto pela profissão com o pai autodidata, ouve com atenção. ¿É para isso que eu trabalho, para essa música¿, diz, entre um sorriso. Pelo menos uma espécie, o ipê, já serve de matéria-prima nas mãos do arqueteiro, sem ônus para a qualidade do que é tocado.