Título: Após vitória em referendo, Correa dá início à transição no Equador
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2008, Internacional, p. A12

Fortalecido com aprovação de nova Carta, presidente diz que não vai nacionalizar petróleo e anuncia Legislativo provisório

Roberto Lameirinhas

Depois da contundente vitória da véspera, na qual conseguiu aprovar seu projeto de Constituição com 63,97% dos votos (o ¿não¿ obtinha 28,1%, de acordo com a apuração oficial, com 94,67% das atas computadas), o governo do presidente equatoriano, Rafael Correa, começou ontem mesmo a pôr em prática a fase de transição para o novo ordenamento jurídico. Como primeiro passo, os governistas articulam a formação do Conselho Legislativo, conhecido como Congresillo (¿Congressinho¿), que terá a mesma proporção representativa da Assembléia Constituinte - amplamente dominada por partidos que apóiam o presidente equatoriano.

Os deputados do Congresso unicameral eleitos em 2006 serão automaticamente destituídos no momento em que a nova Carta entrar em vigor - logo depois que o resultado do referendo for proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e publicado no Diário Oficial. O TSE tem o prazo de dez dias para fazê-lo.

O ¿Congressinho¿, no qual o partido de Correa tem ampla maioria, assumirá a função legislativa e se encarregará de formar o Conselho Eleitoral, que, por sua vez, terá 120 dias para convocar eleições gerais para os cargos de presidente e vice-presidente, governadores, prefeitos e representantes legislativos para todos os níveis da administração. As eleições serão realizadas, provavelmente, em fevereiro.

Numa entrevista coletiva para jornalistas estrangeiros, Correa reiterou ontem que, à luz da nova Carta, deve suspender o pagamento de parte da dívida externa, de cerca de US$ 10 bilhões, que considera ¿ilegítima¿. No entanto, ressalvou que advogados contratados pelo governo trabalham na análise desses empréstimos para evitar que o país seja considerado inadimplente e caía na condição de ¿default¿ - o que poderia impedir a captação de novos créditos.

Correa, que se reúne hoje em Manaus com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, deve esclarecer com ele as circunstâncias do empréstimo concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de US$ 243 milhões, para o financiamento das obras tocadas pela Construtora Norberto Odebrecht no Equador. O líder equatoriano argumenta que o crédito foi concedido diretamente pelo BNDES para a Odebrecht, o que isentaria o país de toda a responsabilidade sobre o empréstimo.

Na coletiva, Correa também descartou a possibilidade, contemplada no texto constitucional aprovado na véspera, de nacionalizar o setor petrolífero do Equador. Mas afirmou que continuará pressionando as empresas para que aceitem uma cláusula contratual que não lhes permita reduzir o nível de investimento no país. A brasileira Petrobrás e a espanhola Repsol atuam no país, mas paralisaram o aporte de novos investimentos depois que o governo de Correa passou a exigir a renegociação dos contratos para convertê-las em simples operadoras, em vez de sócias, dos recursos que exploram.

Indagado sobre suas afinidades com o presidente Hugo Chávez, Correa reconheceu que ¿há denominadores comuns¿ com o líder venezuelano porque ambos lideram ¿governos socialistas¿, mas ressalvou que cada país tem suas características específicas. Chávez - assim como o presidente boliviano, Evo Morales - também estará hoje em Manaus, durante o encontro no qual Correa tentará fazer avançar o projeto de integração da capital amazonense com o Porto de Manta, na costa equatoriana (mais informações na página A14).

Correa também declarou que, embora ¿a administração de George W. Bush tenha sido terrível para a América Latina¿, seu governo tem mantido ¿relações respeitosas¿ com os EUA. Segundo Correa, Washington entendeu sua decisão de não renovar a concessão da base de Manta, onde os EUA mantêm operações militares de combate ao tráfico e de vigilância marítima. ¿Eles deixarão Manta em 2009, apesar do fato de terem o direito de ficar até 2010.¿

REGIME DE TRANSIÇÃO

A Assembléia Constituinte é a responsável por montar o regime de transição, que governará provisoriamente até maio, quando assumem os políticos escolhidos nas eleições gerais, de fevereiro. Ela fica encarregada de:

Definir quais de seus membros formarão o `Congressinho¿: a comissão cuidará das tarefas legislativas (no lugar do Congresso) e de fiscalização do Executivo

Nomear a Corte Eleitoral: o órgão vai organizar as eleições gerais para presidente e vice, legisladores, governadores e prefeitos, em substituição do atual Supremo Eleitoral

Formar a Corte Nacional: haverá um sorteio entre os 131 magistrados da atual Corte Suprema

Abrir concurso público: serão selecionados membros para o Conselho de Participação Cidadã, que vai escolher funcionários de hierarquia mais baixa