Título: Nº de casais com 2 fontes de renda e sem filho cresce 95%
Autor: Tosta, Wilson; Werneck, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2008, Vida &, p. A26

De 1997 para 2007, eles passaram de 997 mil para 1,942 milhão, aponta estudo do IBGE

Wilson Tosta e Felipe Werneck

Uma explosão no número de casais sem filhos e em que cada cônjuge tem sua renda aliada a uma ligeira tendência na redução da distância entre pobres e ricos no País marcam a Síntese de Indicadores Sociais 2007 divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Baseada na última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), publicada na semana passada, a análise também mostra que, embora a escolarização dos 40% mais pobres tenha avançado, mais de 2 milhões de estudantes até 14 anos são analfabetos (mais informações na pág. A27).

Segundo o IBGE, os casais residentes no Brasil que não têm filhos e nos quais homem e mulher têm fontes de renda independentes eram 2,4% do total de domicílios em 1997 e passaram para 3,4% no ano passado. Em números absolutos, a mudança é mais impressionante: 997 mil para 1,942 milhão no período, alta de 94,78%. Os pesquisadores do instituto constataram que a região onde casais com esse perfil têm maior peso proporcional é a Centro-Oeste, onde representam 4,27% do total. O Nordeste é o outro extremo, com 2,99% dos casais.

As maiores proporções de arranjos familiares nessa situação se concentram nas faixas de 35 a 44 anos e acima de 45 anos (4,11%). Quando se leva em conta os 39 milhões de casais, os sem nenhum filho e com renda dupla eram 5% no ano passado - em 1997, eram 3,4%.

¿O casal Dinc (jargão que significa double income and no children, ou renda dupla e nenhum filho) está crescendo muito nas sociedades industrializadas¿, disse a gerente de Indicadores Sociais do IBGE, Ana Sabóia. Foi a primeira vez que o IBGE fez esse cálculo.

A pesquisa levanta a possibilidade de os casais Dincs terem crescido devido à importância dada à ¿aquisição de atributos profissionais, que possam garantir posições bem estabelecidas no mercado de trabalho¿.

Outra constatação importante: a renda familiar per capita desses casais é de cerca de 3,5 salários mínimos (R$ 1.452,50), o que os coloca entre os 10% mais abastados da população.

NOVO VALOR DE CLASSE MÉDIA

¿É uma mudança de valores¿, disse a antropóloga Alinne Bonetti, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). ¿Quando falo em valores, refiro-me à visão de mundo, à cultura.¿ Segundo ela, ¿há uma mudança do modelo da família mais tradicional, com pai, mãe e filhos, para outro, mais individualista, como nos países desenvolvidos, e há mais investimento em projetos pessoais. Muitos adiam os filhos, outros escolhem não ter¿. Para Alinne, como o fenômeno é concentrado na classe média, que forma opinião, há possibilidade de, no futuro, esse comportamento chegar a outras classes.

Segundo o professor Nuno Fouto, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e do Programa de Administração do Varejo (Provar), os casais com dupla renda e sem filhos participam de um processo mais amplo que também inclui pessoas que decidem permanecer solteiras: o dinheiro economizado com as crianças, costuma ser aplicado em produtos e serviços mais caros. Segundo Fouto, a economia não é suficiente para elevar o casal a um estrato social mais alto, mas permite certos ¿luxos¿ - como viagens, jantares e produtos de marca - que não costumam ser observados nas famílias com filhos com a mesma renda.

MELHORA DA RENDA

O crescimento dos Dincs se deu em um quadro de crescente melhoria da renda dos brasileiros, de acordo com o IBGE. A distância entre o rendimento médio familiar per capita das famílias dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres manteve trajetória de redução constante nos últimos anos. Em 2001, a diferença era de 22,1 pontos porcentuais; em 2007, 17,2. Outra comparação mostra que, de 2001 ao ano passado, os 20% mais pobres passaram de 2,6% para 3,2% da renda, e os 20% mais ricos perderam espaço, de 63,7% para 59,7%.

A proporção de famílias com renda per capita de até meio salário mínimo caiu de 31,6% em 1997 para 23,5% em 2007. O presidente do IBGE atribui isso à expansão da economia com geração de empregos, aumento do mínimo e Bolsa-Família.