Título: Arrozeiros comemoram e índios fazem marcha
Autor: Arruda, Roldão; Gomes, Loide
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2008, Nacional, p. A6

Grupos ficaram separados por apenas uma rua e vigiados por policiais federais; secretário de Saúde de Pacaraima organiza queima de fogos

Roldão Arruda e Loide Gomes

Às 17 horas, no horário local, quando o ministro Carlos Alberto Direito pediu vista no processo sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, ouviram-se fogos de artifício e gritos de alegria na Vila Surumu, uma das entradas daquele território. O barulho vinha do lado direito da vila, onde estavam os grupos contrários à demarcação da área em terra contínua. Eles comemoravam por achar que a suspensão do julgamento dará mais tempo para que se possa influenciar os outros ministros e, ao fim, derrotar o voto do relator Carlos Ayres Britto - favorável à demarcação em área contínua.

No outro lado da vila, estavam os índios que reivindicam a expulsão dos não-indígenas. Entre os dois grupos postavam-se policiais federais, vestidos de preto, e 30 homens da tropa de choque da Força Nacional de Segurança - prontos para intervir em qualquer situação de conflito.

A explosão de fogos provocou espanto e silêncio entre os índios. Eles não estavam acompanhando a sessão do julgamento e não entenderam nada. Minutos mais tarde, já refeito do susto, um dos coordenadores do Conselho Indigenista Missionário (CIR), o macuxi Alesson Silva de Souza, comentou: ¿Essa comemoração dos defensores dos arrozeiros é uma provocação. Vamos ficar quietos e manter a cabeça fria. O começo do julgamento foi promissor para nós.¿

Foi o secretário de Saúde de Pacaraima, Júlio Jordão, que acompanhava o debate pela TV, quem organizou a queima de fogos ao fim do dia. ¿Vamos ganhar mais tempo¿, explicou, exultante.

Apesar do foguetório, o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), não deixou de criticar o voto de Ayres Britto. ¿Achei que o ministro foi desrespeitoso e deselegante com os produtores. Ele alterou a história de Roraima a favor de sua idéia.¿

Quartiero, contudo, ironizou o relatório, dizendo que a posição de Ayres Britto poderia ¿ter sido pior¿. ¿Achei que o ministro fosse mandar me prender e me fuzilar no ato.¿

Embora tenha considerado que o pedido de vista indica dúvidas do ministro Carlos Alberto Direito, Quartiero admitiu que ¿o indicativo é muito ruim¿ no julgamento do Supremo. ¿Não sei como eles vão solucionar os problemas de Pacaraima e de Roraima, que ficarão inviáveis se a decisão (de Ayres Britto) se mantiver.¿ O município de Pacaraima fica na fronteira do Brasil com a Venezuela, no interior da terra indígena, e deve desaparecer se vencer a proposta de terra contínua.

DANÇA

Em Boa Vista, cerca de 800 índios, sem-terra e sem-teto acompanharam em praça pública o julgamento do STF. Eles comemoraram o voto do relator com cantos e danças tradicionais, na Praça do Centro Cívico, onde ficam as sedes dos três Poderes de Roraima.

No início da tarde, caminharam até a Avenida Jaime Brasil e se posicionaram diante do Palácio Hélio Campos, sede do governo estadual, onde finalizaram o ato contra a revisão do processo demarcatório. Ali, os arrozeiros também fizeram manifestação, com a distribuição de panfletos para os motoristas.

¿A demarcação contínua é um direito histórico dos índios, em função de todas as lutas, do processo de resistência, das perseguições e até da diminuição de sua população¿, comentou Ezequias David da Silva, um dos organizadores do ato.

O frei franciscano Messias Souza Ofm afirmou que as manifestações, iniciadas no dia 15, não cessarão até a conclusão do julgamento e a saída dos não-índios da reserva. ¿Lutaremos até o último índio.¿

SEGURANÇA

Receando reações violentas, a Polícia Militar e a Polícia Federal reforçaram a segurança nas empresas fornecedoras de água e energia em Boa Vista e nos principais prédios públicos localizados no entorno da Praça do Centro Cívico, mas não houve incidentes.