Título: Amizade e negócios em Cuba
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2008, Notas e Informações, p. A3

Cuba é o ponto final, e talvez o mais importante, da primeira viagem ao exterior do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008. O primeiro compromisso foi ontem, na posse do novo presidente da Guatemala, Álvaro Colom. Assistir à posse de um colega centro-americano representa para o presidente brasileiro, hoje, mais que uma obrigação protocolar. É parte da agenda, nunca explícita mas sempre evidente, de afirmação de uma liderança regional - tarefa dificultada pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela, com sua generosa distribuição de favores financiados pelo petróleo. A ida a Cuba é parte de uma agenda mais complexa, onde se misturam motivações sentimentais, ideológicas e estratégicas. Se Lula for capaz de tratá-las separadamente, melhor para o Brasil.

Do ponto de vista afetivo, o ponto alto da visita será o encontro com o compañero Fidel Castro, se não houver impedimento de ordem médica ou de outra natureza. Ideologicamente, o pacote de acordos pode ser mais que suficiente para a reafirmação de solidariedade ao último reduto do comunismo à moda antiga. Estrategicamente, o mesmo pacote pode servir para uma aposta no futuro do regime cubano, se houver, como se espera, uma abertura econômica e uma inserção progressiva da ilha no sistema globalizado.

Cuba representa pouco para o comércio exterior brasileiro, hoje, e o Brasil, em contrapartida, tem pouco peso na economia cubana. Cuba é o 52º destino das exportações brasileiras e o 79º fornecedor do Brasil. O país de Fidel Castro não se converterá num grande parceiro de um dia para outro, mas tem sentido reforçar a presença brasileira na ilha.

Também lá é preciso disputar espaço com a Venezuela, e a Petrobrás está preparada para isso. Sua experiência na pesquisa e na exploração de petróleo em águas profundas é uma vantagem significativa. Além disso, a estatal brasileira já havia incluído o Golfo do México em seus planos. De resto, a Petrobrás não está interessada apenas na procura e na exploração de petróleo, mas também na construção de uma fábrica de lubrificantes, um objetivo incluído no pacote.

Financiamento para obras de infra-estrutura pode ser uma chave para o ingresso de empresas brasileiras nas ações de modernização econômica de Cuba - e para vincular o Brasil, desde já, às transformações previsíveis no caso de uma reforma econômica semelhante às da China ou de países da antiga Europa socialista.

Poucos países latino-americanos têm condições econômicas e técnicas tão favoráveis quanto as do Brasil para se associar a uma transformação desse tipo. Por muitos fatores, a começar por sua localização, Cuba tem tudo para se transformar num poderoso pólo de atração de investimentos, a partir de uma política de abertura gradual, e a disputa por esse mercado, é fácil prever, será intensa e envolverá interessados de todo o mundo. Levará vantagem, presumivelmente, quem já estiver colaborando com a modernização do país.

Todos esses cálculos, e muitos outros, já devem estar na cabeça das autoridades cubanas. Com ou sem Fidel Castro, e mais provavelmente sem ele, as mudanças deverão acelerar-se nos próximos anos. O Brasil, sabem os cubanos, pode ser um parceiro útil, mas os interesses brasileiros não estão, com certeza, no topo da pauta das autoridades de Cuba. Desde seu afastamento do governo, em julho de 2006, Fidel Castro poucas vezes se manifestou em público, mas encontrou tempo para criticar a política brasileira de biocombustíveis, um dos projetos mais importantes na pauta do presidente Lula. A jogada de Fidel Castro, nesse caso, foi claramente articulada com Hugo Chávez, assim como os lances mais agressivos do boliviano Evo Morales contra interesses brasileiros.

Se Lula tiver suficiente racionalidade para não desprezar esses dados, a estratégia de cooperação com o governo cubano poderá ser muito promissora a médio e a longo prazos. Mais promissora do que todos os esforços desenvolvidos, até agora, para aproximação com a América Central e o Caribe. Afinal, os centro-americanos não deixaram de se articular, já na primeira gestão de Lula, para torpedear, com ajuda de políticos de Washington, interesses da cafeicultura brasileira na Bolsa de Nova York. Lula parece nunca haver notado esse fato.

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