Título: Apoio externo complica crise libanesa
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2007, Internacional, p. A11

Escolha do novo presidente, que deve ocorrer nesta semana, sofre forte influência de países como EUA, Irã e Síria

O Líbano pode ter dois presidentes no próximo fim de semana. Um apoiado pelos EUA e pela Arábia Saudita e outro pelo Irã e pela Síria, com a população dividida ao meio. Esse é o cenário previsto pela maior parte dos analistas caso não haja acordo para a escolha de um nome de consenso até o dia 24, quando se encerra o mandato de Emile Lahoud, atual presidente libanês.

Em meio a intensas negociações para a definição de um nome de consenso, tanto o governo quanto a oposição já se antecipam e ameaçam escolher o presidente utilizando mecanismos próprios, que afirmam serem constitucionais. Segundo relatório do instituto independente IFES, que monitora a eleição libanesa, os dois lados endureceram as suas posições nas últimas semanas.

A conseqüência do que pode ocorrer caso o país tenha dois presidentes é impossível de se prever, conforme afirmou o ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, que é o principal mediador do conflito. Especula-se, no cenário mais otimista, que apenas se agrave a atual instabilidade política. O mais pessimista indica uma nova guerra civil que se espalhe para fora das fronteiras do Líbano e vire um conflito regional, envolvendo Irã, Síria, Israel, Arábia Saudita e até os Estados Unidos.

O certo, apenas, é que os dois presidentes serão cristão-maronitas, conforme prevê um acordo entre as 18 religiões libanesas. Divididos, os cristãos, que representam cerca de um terço da população, estão longe de ser a principal força motriz do Líbano. O conflito na atual eleição libanesa é marcado pelo embate entre sunitas e xiitas, lembrando em parte o que ocorre no Iraque.

Quando se pensa em envolvimento externo, a situação libanesa é ainda mais complexa. Na política iraquiana, iranianos sempre estiveram do lado dos xiitas, que lideram a coalizão de governo apoiada pelos EUA. No Líbano, Washington alinhou-se aos sunitas e o governo iraniano ampara os xiitas.

A maior parte (52%) dos sunitas no Líbano tem uma imagem favorável dos EUA. Suas principais lideranças - o premiê Fuad Siniora e o bilionário Saad Hariri (filho do ex-premiê Rafic Hariri, morto em 2005 ) - comandam a coalizão governista 14 de Março, ao lado de cerca da metade dos cristãos e da maioria dos drusos. Com uma agenda anti-Síria e anti-Irã, os governistas têm no presidente americano, George W. Bush, e na monarquia saudita os seus principais aliados externos. Atendendo pedidos da 14 de Março, Bush afirmou em comunicado que não aceitará um candidato ligado à Síria.

No Líbano, ligação com a Síria é sinônimo de aliança com o Irã e, assim, com os seus afilhados, os grupos radicais Hezbollah e Amal. São os xiitas do Líbano, que compõem a coalizão opositora 8 de Março, que reúne os cristãos liderados pelo líder populista Michel Aoun e uma minoria sunita e drusa. Ao contrário do que ocorre entre os sunitas, apenas 7% dos xiitas libaneses têm uma imagem positiva dos EUA. Quando perguntados sobre o Irã, o apoio dos xiitas sobe para 86%, contra 8% dos sunitas, afirma o Instituto Pew.

Essa diferença de posições deixa claro que muito da divisão entre sunitas e xiitas no Líbano está enraizada na política externa do país, que hoje reflete a divisão no Oriente Médio entre os EUA e o Irã. Do lado dos americanos, estão exatamente os países sunitas, como a Arábia Saudita, a Jordânia e o Egito, além do grupo palestino Fatah, do presidente Mahmud Abbas.

Aliado ao Irã, está a Síria, um regime de cunho secular, mas comandado pelos alauítas, que são mais próximos dos xiitas do que dos sunitas. Além deles e do Hezbollah no Líbano, há o Hamas, cujos integrantes, apesar de sunitas, são chamados de xiitas por membros do Fatah em Gaza pela proximidade com Teerã.

Para Saad Hariri, a diferença entre a 14 de Março e a oposição se dá principalmente no campo econômico. Em entrevista ao Now Lebanon, publicação libanesa em inglês, o líder sunita defendeu uma economia com feições modernas, ¿como as européias e a turca¿, e não estatizante, como a iraniana e a síria.

Já o cristão Michel Aoun, afirma que os EUA querem dividir o país, e seus aliados xiitas do Hezbollah acusam os governistas de estarem preparando um acordo de paz com Israel. A acusação é rebatida por Saad Hariri que, apesar das boas relações com os EUA, deixa claro que Israel é seu inimigo.

O bilionário sunita acrescentou na entrevista que, independentemente de sua visão negativa do regime de Damasco - a quem ele acusa de ter matado seu pai -, jamais faria as pazes com Israel antes da Síria.

Ter um presidente aliado não significa possuir a capacidade de gerir a política externa. A presidência é hoje um posto muito mais simbólico do que poderoso, pois a maior parte das atribuições políticas está nas mãos do primeiro-ministro. Mas é o cargo mais alto que um cristão pode ocupar. Ironicamente, em um país marcado por uma guerra civil (1975-90) que colocou em lados opostos cristãos e muçulmanos, hoje sunitas e xiitas disputam justamente o apoio dos maronitas, ortodoxos, armênios, melquitas e todas as outras denominações cristãs do país dos cedros. A Nossa Senhora Harissa, padroeira libanesa, tornou-se a fiel da balança na disputa entre xiitas e sunitas.

Assim como os sunitas, os cristãos do Líbano têm uma imagem positiva dos EUA e negativa do Irã. Mas estão rachados internamente. A divisão se dá muito mais entre os que odeiam a Síria, que são os cristãos da 14 de Março, e os que temem a influência da Arábia Saudita na política libanesa, que são os cristãos seguidores de Michel Aoun, que integram a opositora 8 de Março.

O primeiro grupo afirma que os xiitas são radicais, e não admitem que o Hezbollah possa carregar armas. Os outros afirmam temer o radicalismo dos sunitas, afirmando que a Arábia Saudita e seus aliados em Beirute querem transformar o Líbano num Estado islâmico. Para eles, os xiitas são mais moderados.

No meio de tudo isso, os países europeus, capitaneados pela França, buscam negociar um nome de consenso. Apesar de ter um viés pró-14 de Março, a União Européia teme que um presidente que represente apenas um dos lados acentue a crise política do Líbano - o Parlamento não funciona há mais de um ano e ministérios estão sem titulares. Em uma mesma semana, aterrissaram em Beirute os ministros das Relações Exteriores da França, Espanha, Itália e Alemanha. Uma demonstração da importância geopolítica de um país menor do que o Estado de Sergipe e com uma população equivalente à de Belo Horizonte e um PIB inferior ao do Uruguai.

O patriarca cristão-maronita Nasrallah Sfeir preparou uma lista com seis nomes para a eleição presidencial. Entre eles, estariam os dois candidatos da 14 de Março, Nassib Lahoud e Boutros Harb, e o oposicionista Michel Aoun. Além deles, o líder cristão teria incluído o nome do deputado Robert Ghanem, o do ex-presidente do Banco Central Michel Khoury e o do ex-ministro Michel Eddé.

CONTAGEM REGRESSIVA

Membros da coalizão governista e da opositora, no entanto, mostram-se reticentes. Integrantes da 14 de Março insistem no nome de Nassib Lahoud (inimigo do atual presidente), cristão moderado que tem dificuldade de ter o nome aceito pelo Hezbollah por ser crítico da Síria. Já a oposição mantém o apoio a Michel Aoun, que até pouco tempo atrás era o maior inimigo de Damasco no Líbano, mas mudou de lado. Governistas o acusam de hipócrita.

Agora, começou a contagem regressiva. Na quarta-feira os parlamentares devem se reunir para eleger um presidente. Se não houver acordo, o Líbano poderá ter dois.

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