Título: Não existe candidato de si mesmo, zumbi
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2007, Nacional, p. A12

Defensor da fidelidade, ministro avalia que, daqui para a frente, partidos terão perfil ideológico mais definido

O ministro Carlos Ayres Britto, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defensor da fidelidade partidária, afirmou que aos poucos os partidos virarão protagonistas da cena política derrubando a tradição do individualismo. O político eleito, destacou, é um representante, não só do povo, mas também do partido.

Por que o senhor considerou que todos os políticos devem se manter fiéis aos seus partidos?

O partido faz parte do regime representativo brasileiro, é peça desta engrenagem, a ponto de poder dizer que o nosso regime é partidário. Não há regime sem partidos. Não há candidato de si mesmo, não existe candidatura zumbi, candidatura avulsa. O partido é um elo da corrente que vai do eleitor ao eleito. Agora, não é só isso. A Constituição em diversas passagens diz que o partido se faz representar pelos seus eleitos. O eleito não é representante só do povo. Os eleitos também representam os partidos.

O TSE vai ter coragem de cassar, por exemplo, um presidente da República eleito com 60 milhões de voto porque ele mudou de partido?

Nós estamos iniciando uma nova cultura de política, uma nova cultura partidária, em que paulatinamente o partido vai assumir a posição de protagonista central da cena política. Estamos habituados com a cultura antiga, de fulano ou beltrano. Com o tempo essa nova cultura vai mudando, vamos raciocinar coletivamente e não mais individualmente. Vamos secundarizar as pessoas e principalizar os partidos. É uma revolução do ponto de vista cultural. O bom é ver essa mudança no seu atacado e não no seu varejo. Esses problemas de varejo serão resolvidos e digeridos com o tempo. Vamos encontrar fórmulas de digerir essas inquietações individuais.

Daqui para frente o sr. acredita que os partidos terão um perfil ideológico mais definido?

Muito, é uma nova cultura.

E esse perfil terá de ser seguido?

Durante quatro anos vai prevalecer, porque foi a soberania popular que disse isso. A soberania disse: eu quero para o meu país, nos próximos quatro anos, esse tipo de perfil ideológico. Pronto. E ninguém pode alterar isso, nem o partido porque o partido tem que ser fiel a si mesmo para exigir fidelidade dos outros, não pode desertar de seu ideário.

Se o partido mudar abre a porta para que seus eleitos saiam da legenda?

Abre, porque aí o desertor é o partido, não é o eleito. Estamos no limiar de uma nova era, um novo modo de fazer política. Mas nós não inventamos isso, nem o Supremo, nem o TSE. Isso já estava na Constituição. Nós apenas nos dotamos de um novo par de olhos para ver uma realidade que já existia.

Agora, quando o eleitor vota num governador, ele escolhe a pessoa e suas propostas. Aí o TSE vai dizer que outra pessoa, não necessariamente com as mesmas propostas, deve assumir?

Nenhum candidato tem perfil ideológico próprio, porque não existe candidato zumbi, avulso. O perfil ideológico do candidato é o perfil ideológico do seu partido ou da sua coligação. Ninguém se apresenta ao eleitor com perfil ideológico individual.

Mas até que os eleitores percebam isso...

É uma transição. Vamos da cultura personalística para a institucional.

A partir de que data os senadores, prefeitos e outros podem ser punidos? Se nós formos nos basear pelo precedente do Supremo, se formos raciocinar analogicamente, o que vai acontecer?

A decisão do TSE ontem (anteontem) foi inédita, não foi igual à anterior, porque naquela tratou-se dos cargos proporcionais. E diante do ineditismo, o que é que se supõe? Uma viagem de volta para o futuro. Um déjà vu. Nós vamos fazer o mesmo itinerário da outra vez. Um partido vai reclamar ao presidente do Senado a devolução de um mandato; provavelmente o presidente do Senado vai negar; provavelmente o requerente vai manejar o mandado de segurança no Supremo; o Supremo vai se pronunciar sobre essa situação inédita e se homologar a decisão do TSE, provavelmente vai dizer que o mandato é do partido, mas que é preciso que o senador se defenda perante o TSE. E o marco temporal seria esta decisão de terça.