Título: Apagão da CPI
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Se a CPI do Apagão Aéreo do Senado ainda autoriza ter esperanças de que pelo menos algumas responsabilidades serão apuradas, para que não caiam em inteiro descaso as investigações sobre as tragédias que ceifaram brutalmente tantas vidas humanas, a CPI do Apagão Aéreo da Câmara dos Deputados dá mostras de ter sido despudoradamente apagada. Para não ter de explicitar a responsabilidade de autoridades e funcionários brasileiros pelo descalabro organizacional e administrativo que resultou em dois acidentes graves, depois de submeter milhões de passageiros a toda sorte de incômodos e prejuízos, o relator dessa CPI escolheu como bodes expiatórios os pilotos norte-americanos Joseph Lepore e Jan Paulo Paladino, que conduziam o jato Legacy que colidiu com o Boeing da Gol - e que, por sinal, estão longe para se defender. Ainda bem que o relator - seguindo o mesmo critério de só responsabilizar ausentes - não culpou os passageiros por congestionarem os saguões dos aeroportos, meses a fio...

No Senado o relator Demóstenes Torres (DEM-GO) vai pedir o indiciamento da cúpula da Infraero na gestão do ex-presidente Carlos Wilson - de 2003 a 2005. Entre os possíveis indiciados por crimes contra o patrimônio público estarão pelo menos 25 pessoas, como diretores, ex-diretores, além de dois empresários que fizeram negócios com o setor de mídia da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária. O relatório terá mais de mil páginas e deverá ser apresentado no próximo dia 15. Além do grupo de indiciados ligados à Infraero, haverá outro ligado à Agencia Nacional de Aviação Civil (Anac) e um terceiro, comprometido com obras e licitações irregulares.

Contra o ex-presidente da Infraero e atual deputado federal Carlos Wilson (PT-PE) pesa o fato de terem sido lançados vários editais de licitação para construção, reforma e ampliação de aeroportos, cujos critérios de escolha dos vencedores foram questionados tanto pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quanto pelo Ministério Público Federal. A CPI do Senado mostra que há indícios consistentes de que houve favorecimento de determinados grupos empresariais, retirando o caráter competitivo das concorrências públicas. Durante a gestão Carlos Wilson, as licitações somaram quase R$ 3 bilhões. A diretora de Engenharia da Infraero, Eleuza Terezinha Manzoni dos Santos Lores, é outra dirigente da estatal a ser indiciada, sob a suspeita de patrocinar e intermediar interesse privado junto à empresa, visando ao favorecimento de terceiros e de si própria.

A CPI da Câmara, lamentavelmente, seguiu trilha oposta à da CPI do Senado. Depois de cinco meses de funcionamento, aprovou na quarta-feira, por 14 votos a favor e 6 contra, o relatório do deputado Marco Maia (PT-RS), que nada mais fez que recomendar a desmilitarização do controle do tráfego aéreo e o indiciamento dos pilotos norte-americanos do Legacy - e assim mesmo com a ressalva: ¿Apontamos as responsabilidades deles no acidente, mas optamos por não criminalizar a conduta.¿

Foram poupadas as cúpulas da Anac e da Infraero. Apesar das evidências de que a ex-diretora da agência Denise Abreu usou uma norma sem validade legal para liberar as operações no Aeroporto de Congonhas em dias de chuva, o deputado petista afirmou que faltaram elementos para pedir seu indiciamento. Mas, para salvar as aparências, o relator solicitou ao Ministério Público Federal que ¿aprofunde as investigações¿ contra cinco diretores e ex-diretores da Anac, para apurar suspeitas de improbidade administrativa, uso indevido do cargo e utilização de documento sem validade legal. Além disso, por um acordo celebrado entre os integrantes dessa CPI, o relator retirou o pedido de indiciamento dos controladores de vôo que estavam de plantão no centro de controle aéreo de Brasília no momento da colisão entre o avião da Gol e o Legacy.

Essa malfadada CPI deverá entrar para os anais do Parlamento como uma das mais ¿chapa branca¿, das mais submissas a pressões e das mais inúteis de todas as comissões parlamentares de inquérito já instaladas no Legislativo caboclo. Bem o expressou o deputado Vic Pires (DEM-PA) quando disse: ¿Sinto vergonha de sair daqui hoje com esse relatório sendo aprovado.¿