Título: Jogo perigoso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Passando por cima da resistência do Ministério da Fazenda, da Caixa Econômica Federal e de representantes do Ministério Público, caminha com rapidez no Congresso o projeto de lei que autoriza os Estados a explorarem loterias e abre brechas para a liberação do jogo no País. Produzido pela CPI dos Bingos, o projeto foi apresentado ao Senado em dezembro e aprovado por unanimidade em fevereiro. Em tramitação na Câmara dos Deputados, acaba de ser aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor, com votos da base de apoio do governo. Agora, será examinado pelas Comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, antes de ser submetido ao plenário.

É matéria do maior interesse da chamada ¿bancada da jogatina¿, que até agora tem demonstrado grande competência - tão grande que muito poucos duvidam da rápida aprovação do projeto também pela Câmara, já que tramita em regime de prioridade. Se sofrer emendas de deputados, terá de voltar ao Senado. Se não, irá direto à sanção presidencial, transformando-se em lei.

A justificativa desse projeto, como as de outros que tratam de matéria semelhante, é conhecida: abre-se uma exceção na legislação que restringe o jogo no País para autorizar determinado tipo de aposta que assegure receita para programas de interesse da sociedade. Do produto da arrecadação das loterias estaduais a serem criadas, pelo menos 25% serão aplicados no apoio ao esporte, na seguridade social e em outros programas de interesse público. A premiação bruta não será inferior a 45% da arrecadação.

Admita-se que tudo isso será cumprido, o dinheiro terá a destinação adequada e não se repetirão escândalos como o de Waldomiro Diniz - o ex-dirigente da Loteria do Rio e ex-assessor do ex-ministro José Dirceu, que, numa conversa gravada pelo ¿empresário do jogo¿ Carlinhos Cachoeira, cobrava propinas para aprovar contratos com as loterias do Rio. Ainda sobram 30% do valor arrecadado.

É muito dinheiro. De janeiro a agosto a Caixa arrecadou R$ 3 bilhões com loterias e espera arrecadar mais R$ 5 bilhões até o fim do ano. Estima-se que as loterias estaduais arrecadarão mais do que isso. Digamos que sejam R$ 10 bilhões por ano. Feitas as aplicações previstas em lei e feitos os pagamentos aos vencedores, ainda sobrarão R$ 3 bilhões. Para onde irão?

Além de dar aos Estados o direito de explorar as loterias, o projeto permite que o serviço seja terceirizado, por meio de concessões. Ou seja, a loteria poderá ser explorada por particulares, que fïcarão com boa parte do dinheiro - daí o enorme interesse dos empresários do jogo no projeto.

O relator do projeto, deputado Leo Alcântara (PR-CE), não vê riscos de degeneração das loterias estaduais, que abriria o caminho para a legalização de outros jogos. Ele observa que as loterias serão exploradas diretamente pelo Estado ou mediante concessão pública, com autorização prévia da União.

Mas o texto é vago. Diz apenas que ¿não serão aprovadas loterias com características semelhantes aos produtos lotéricos explorados pela Caixa Econômica Federal¿. Preserva-se o espaço da Caixa, mas cria-se outro muito maior - constituído por tudo o que a Caixa não faz na área de loteria, o que abre enorme campo à imaginação dos empresários do jogo.

Essa brecha justifica o temor do deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), ex-secretário de Segurança do Rio, de que a exploração de loterias por terceiros abra espaço para o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Já a deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), que votou contra o projeto na Comissão de Defesa do Consumidor, acha que o projeto cria brechas para o desvio de verba pública, a corrupção e a lavagem de dinheiro.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Antônio Carlos Bigonha, argumentou que a decisão do STF sobre a competência da União para legislar sobre loterias e bingos não permite que os Estados criem suas próprias loterias. Observou que jogo de azar é contravenção. E resumiu sua opinião sobre o projeto: ¿O que se está querendo é privatizar uma contravenção.¿