Título: O Brasil e a escolha do novo diretor do FMI
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2007, Economia, p. B30

O cargo de diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) é muito cobiçado. O homem que assume essa função se torna um dos poderosos do mundo. Sua influência é inebriante: ele regula, nos termos dos acordos de Bretton Woods, de 1944, o sistema monetário mundial. Por causa dessa influência, é um dos atores que mais se destacam nos tempos atuais. E pode-se imaginar que tem à sua disposição um belíssimo escritório.

O francês Dominique Strauss-Kahn está bem colocado para conquistar o cargo. Não lhe faltam argumentos. No governo de Lionel Jospin, foi um ministro socialista brilhante. Nas últimas eleições presidenciais, seu partido foi esmagado pelo 'trator' da direita, Nicolas Sarkozy. A derrota socialista parecia ser o dobrar dos sinos para Strauss-Kahn.

Mas aconteceu um milagre: Sarkozy, preocupado com a abertura, apresentou a candidatura do ex-ministro ao FMI. Uma estratégia excelente: o presidente eliminava o mais inteligente dos socialistas e colocaria um francês na instituição internacional.

No início, parecia um sonho: Strauss-Kahn é um homem sedutor, encantador, divertido. E se é verdade que ele é socialista, seu socialismo nunca fez tremer os ricos do país. A maioria dos países apoiou o candidato francês, incluindo aí europeus, americanos, canadenses, japoneses, africanos. E sem dúvida a China. Tudo estava pronto para uma 'eleição de marechal'.

Claro que houve resmungos: o pessoal de esquerda ficou horrorizado que um dos dirigentes mais notáveis da esquerda francesa se associasse ao mundo vil do capital. Mas, se retrucou, com um socialista à frente, o FMI vai mudar e, finalmente, ocupar-se dos 'pobres'.

Uma outra objeção: por tradição, a chefia do Banco Mundial é atribuída a um americano e a do FMI, a um europeu. Mas Bretton Woods já tem 60 anos e, de lá para cá, o mapa do mundo sofreu mudanças. Por que o poder monetário continuaria sendo feudo dos Estados Unidos e da Europa, sem levar em conta três quartos do planeta? A Rússia aproveitou a ocasião, apresentando seu próprio candidato, Josepf Tosovsky, ex-presidente do Banco Central checo.

No início, Strauss-Kahn não deu muita importância. Mas a ofensiva russa se intensificou. No Financial Times, o diretor do FMI para a Rússia, Alexei Mojine, foi impedioso: 'Não há nada no currículo de Dominique Strauss-Kahn, um político profissional, que mostre as competências requeridas para esse posto'. Ao contrário, segundo o russo, o checo teria essas qualidades. Sobretudo, essa escolha estaria de acordo com 'as expectativas dos países em desenvolvimento'.

Aí está o perigo para o francês: ser designado como o homem dos 'ricos' e perpetuar a antiga tradição de Bretton Woods, de reservar FMI e Banco Mundial a europeus e americanos.

Esses argumentos pesam. Além disso, a encenação russa encanta alguns países que se disporiam a votar no francês, na falta de outro. Caso da Inglaterra, que fica entusiasmada com as dificuldades do francês.

Assim, Strauss-Kahn reinicia sua peregrinação. Visitará Michelle Bachelet no Chile, Evo Morales em La Paz, Néstor e Cristina Kirchner em Buenos Aires. Depois, o Brasil, que é um mistério. Em Paris, acredita-se que os brasileiros são sensíveis ao argumento russo que privilegia mais as competências do que a origem geográfica.

Fala-se que o ministro Guido Mantega considera o sistema eletivo do FMI 'muito pouco democrático', objeção à qual Lula teria respondido: 'Sim, mas esse sistema fez boas escolhas'. É claro que a posição de um país poderoso e respeitado como o Brasil deve pesar bastante na escolha final.

*Gilles Lapouge é correspondente em Paris