Título: Ambiente sedutor
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Por um lado, este é um país dos cenários, do uso de ambientes para impressionar e da exibição de cacifes simbólicos de Poder, seja para que propósitos for. E exemplo disso foi o uso da cadeira presidencial do Senado para a explicação de um pecado privado, que gerou suspeitas públicas. Por outro lado, este é um país em que o despencar de valores parece tornar muito natural as notórias indecências - entre as quais está o já famoso troca-troca de legendas partidárias, que fazem nossos políticos, seduzidos por agrados (digamos assim) vindos do Poder maior, se transladarem de mala e cuia de um partido para outro, o que transforma a ¿fidelidade partidária¿ em tópico sempre comentado (mas cinicamente boicotado) da propalada ¿reforma política¿.

O vice-presidente José Alencar poderia esperar esgotarem-se os poucos dias em que virou presidente da República interino para atrair três senadores para sua legenda, o PRB. Mas é claro que não haveria de deixar de aproveitar a sala da Presidência da República para tentar cooptar os senadores do DEM Demóstenes Torres (GO), Edison Lobão (MA) e Romeu Tuma (SP) - talvez considerados seduzíveis por enfrentarem problemas de espaço com seus partidos nos respectivos Estados. Convocados, os três foram recebidos pelo presidente da República interino, devidamente acompanhado de seu correligionário, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), mais conhecido como bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Certamente o presidente fez questão de obter, para tal tentativa, a expressa autorização do presidente Lula. Autorização, bem entendidas as coisas, tanto para o uso do gabinete presidencial como para as práticas políticas que já lhe são habituais - pois não foi de sua cadeira que o presidente Lula já obteve tantas e tantas adesões para a formação de seu ¿governo de coalizão¿? Não foi lá que tanto se trocaram cargos por filiações?

Achando seu gesto a coisa mais natural do mundo - razão por que nem cogitou de disfarçá-lo, para evitar que as más línguas evocassem os mensalões da vida -, José Alencar julgou ser essa a melhor oportunidade que lhe oferecia a interinidade presidencial. Não pensou em problemas administrativos ou regionais a serem resolvidos (longe dele pretender adentrar searas do titular) e muito menos (ainda bem) repetiu o famoso avião lotado de convidados presidenciais rumo à ¿República de Mombaça¿. O ambiente do Poder presidencial foi colocado pelo vice a serviço de bem mais pragmático, sem dúvida.

O senador Demóstenes Torres foi quem relatou o ocorrido na ¿sala da sedução¿, logo que a deixou. Mas deixou clara sua resistência ao assédio, ao afirmar que pode voltar a conversar com o vice-presidente mas já tem sua resposta: não sai do DEM, por ser um homem de partido, que ¿tem lado¿. Ainda não se sabe se os outros senadores apresentarão a mesma resistência - o que deve depender da necessidade que ainda tenham de desfrutar de bom relacionamento com o Planalto.

Já cansamos de falar aqui da ¿fidelidade partidária¿, tema mais do que obrigatório em qualquer discussão sobre reforma política e eleitoral. Um dos escândalos continuados da República, com efeito, tem sido a debandada de parlamentares dos partidos oposicionistas - passando para os governistas - a cada início de Legislatura. A recente interpretação da lei, feita pelo Tribunal Superior Eleitoral, é no sentido de que o mandato pertence ao partido (não ao candidato por ele eleito), de forma que ao deixar um partido o parlamentar perde o mandato. Decerto os mais interessados nessa interpretação são os partidos oposicionistas que sofreram esvaziamento, por terem seus filiados sucumbido às atrações governistas. Esta é, precisamente, a situação do ex-PFL, atual Democratas - a que pertencem os três mencionados senadores, assediados pelo vice no gabinete presidencial.

Quando vemos um exemplo desses é que nos damos conta da distância que ainda nos separa de uma Democracia civilizada, em que pertencer a este ou àquele partido político tem algo que ver com a convicção e a seriedade de cada um.