Título: Abuso da CPMF
Autor: Pontes, Ipojuca
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) vai completar 12 anos. Criada em outubro de 1996 para financiar serviços e ações de saúde, então - como hoje - precários, o debate em torno de sua prorrogação, em votação na Câmara dos Deputados depois do recesso parlamentar, promete ser dos mais aquecidos.

De início, criada a CPMF, o governo FHC estabeleceu, por um período de 13 meses, a vigência temporária da alíquota de 0,2% sobre a movimentação financeira das contas dos clientes nas instituições bancárias. Posteriormente, como previsível, os governos de FHC e Lula não só mantiveram como ampliaram os porcentuais da contribuição. De forma gradativa, a partir de sucessivas emendas constitucionais, a máquina do governo elevou o valor das alíquotas, nos anos subseqüentes, para os índices de 0,24%, 0,34%, 0,36% e, finalmente, 0,38% - patamar em que hoje está fixado, ninguém sabe até quanto.

Para muitos tributaristas, a manutenção da CPMF é uma violência contra princípios constitucionais tributários. Entre outros motivos, porque ela, transformada irregularmente em imposto, antes de incidir sobre a circulação da riqueza, incide sobre a movimentação de dinheiro - o que nem sempre é a mesma coisa. Por outro lado, a CPMF, cuja arrecadação deveria ser destinada ao Fundo Nacional da Saúde, sempre deficitário, passou, por força da Lei nº 9.539/97, a suprir os rombos da Previdência Social e, mais tarde, a abastecer os cofres do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Com a prática, o governo foge ao preceito constitucional de que, sendo uma contribuição social, o montante do dinheiro arrecadado teria de ser obrigatoriamente destinado ao custeio da despesa para a qual foi criada.

Agora, diante da discussão da proposta de emenda constitucional encaminhada pelo governo à Câmara, que prorroga a vigência da CPMF até 2011, a sociedade produtiva do País se mobiliza com o objetivo de pedir aos parlamentares o fim da contribuição, tida como ¿provisória¿. Com efeito, inúmeras associações e entidades de classe - entre elas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação das Associações Comerciais do Brasil - se vêm empenhando na promoção de seminários, debates e na organização de abaixo-assinado para que o tributo seja extinto o quanto antes.

Para os integrantes do Departamento de Pesquisas e Estudos da Fiesp, por exemplo, a ¿manutenção da contribuição provisória não tem mais sentido¿, tendo em vista o ¿permanente desperdício dos gastos públicos¿. Os seus pesquisadores entendem que a prorrogação de CPMF ¿inibe o investimento e desestimula a expansão do crédito¿, o que, por sua vez, impede o crescimento econômico e eleva o índice de desemprego - de resto, já elevado.

Mais precisamente, as análises da Fiesp, feitas a partir de dados precisos e cálculos comparativos, concluem o seguinte:

Com a vigência da contribuição financeira os pobres pagam mais tributos que os ricos;

a rigor, a economia informal, pela agilidade, nunca é atingida pela CPMF;

e é falsa a idéia de que a contribuição é o único instrumento que o governo detém para combater a sonegação.

O próprio presidente da Fiesp, Paulo Skaf, afirma: ¿Passados 11 anos de sua criação, corremos o risco de que a CPMF se torne definitiva, contrariando o desejo da população brasileira, que é o de ser desonerada, liberada deste ônus.¿

Mas, no momento, o aparato fiscal do governo Lula encontra adversários mais poderosos que os empresários: os governos estaduais, com firme vontade, querem também partilhar dos fáusticos recursos da CPMF, cuja arrecadação para o próximo ano está projetada em R$ 38 bilhões. Para desagrado do ministro da Fazenda, Guido Mantega, o relatório do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) enviado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) considerou constitucional a divisão dos recursos do tributo com Estados e municípios.

O governo central, óbvio, é contra a partilha. O ministro Mantega, esquivando-se do parecer do relatório, diz que o dinheiro da contribuição já vem sendo repartido com o financiamento da saúde, que vai para os Estados por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), criado no pressuposto de assistir a saúde da população mais carente. Por isso o Planalto já iniciou a operação de guerra não só para ter a prorrogação da CPMF aprovada, como para anular a ¿firme vontade¿ dos Estados e municípios.

E sejamos realistas: no atual estágio da vida política brasileira, os argumentos do governo são mais do que convincentes - promete a aceleração nos Estados de nomeações para os cargos públicos federais e a ¿desova¿ de R$ 3,5 bilhões, divididos em quatro parcelas R$ 540 milhões, para as emendas individuais de parlamentares ao orçamento da União. Para quem vai embolsar, ao cabo de quatro anos, mais de R$ 15 bilhões, não é, em absoluto, mau negócio.

O mais espantoso de tudo é que tanto governo quanto boa parte dos parlamentares, neste sinistro jogo de acomodação política, parecem ignorar que indivíduos e a sociedade produtiva se encontram exauridos com a carga tributária que todos reconhecem francamente absurda. ¿O governo não pode abrir mão¿, repete, como num estribilho, a burocracia do Planalto. Diante de tal índice de insensibilidade, o que esperar?

Nos Estados Unidos, país cuja Constituição tem como princípio básico limitar o poder coercitivo do governo sobre a vida das pessoas, ocorre um fato singular. O fazendeiro Ed Brown e sua mulher, Elaine, armados, preferem morrer a pagar tributos atrasados. ¿Esse tipo de cobrança é um abuso e a população precisa reagir contra isso¿, diz ele.

Não devemos chegar a tanto, é claro. Mas a proposta apontada pela Fiesp é uma boa alternativa.

Ipojuca Pontes, cineasta e jornalista, é autor do livro Politicamente Corretíssimos