Título: Apagões agravam crise argentina
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2007, Economia, p. B1

'Desde meu primeiro dia no governo escuto essa história, essa teoria do tal colapso e da crise energética!' A frase - com tom irônico - foi pronunciada pelo presidente Néstor Kirchner na terça-feira no início da noite, durante um discurso na Bolsa de Valores de Buenos Aires.

Mas, enquanto Kirchner negava mais uma vez a existência da crise, a hidrelétrica de Alicurá, na Patagônia, deixava de funcionar por falta de água em seu reservatório. Em conseqüência, imediatamente a cidade de Bariloche - abarrotada de turistas - ficou às escuras, com temperatura de até 15 graus Celsius negativos. A energia só voltou ontem ao meio-dia, após um apagão de 16 horas.

Ainda durante o discurso de Kirchner, um outro apagão, de três horas, atingia o bairro de Palermo, em Buenos Aires, além de setores do requintado bairro da Recoleta. Vastas áreas do município de La Matanza, na Grande Buenos Aires, também ficaram às escuras. A crise energética - que Kirchner alega não existir - começa a ficar cada vez mais evidente.

A ordem do governo às empresas distribuidoras de gás e energia elétrica é preservar os consumidores residenciais de racionamentos. Dessa forma, o peso da crise energética cai sobre o setor industrial, que desde o fim de maio sofre restrições drásticas do abastecimento de gás e eletricidade.

Os postos de combustíveis deixaram de fornecer gás veicular. Empresas como a Petrobrás e a Repsol YPF passaram a vender gasolina ao preço do gás, mais barato, para taxistas. Por trás da medida, está a preocupação de Kirchner em não irritar os taxistas, cujo sindicato é capaz de paralisar o centro da capital em poucos minutos. Dos 37 mil táxis que operam em Buenos Aires, 30 mil são movidos a gás.

Para a Câmara Argentina de Postos de Gasolina, ontem foi 'o pior dia da história do setor'. Segundo o presidente da Câmara, Eduardo Bajlec, a ordem de suspender a venda de gás foi dada verbalmente, por telefone, pelas autoridades. Mais de 1.600 postos de gasolina tiveram de fechar por falta de gás. Também foram vítimas do frio e da crise energética 221 escolas da rede pública da província de Buenos Aires, que tiveram de fechar.

Os analistas alertam para a iminente paralisação de outras duas hidrelétricas, além de Alicurá. Juntas, as três produzem 16% da energia elétrica de toda a Argentina.

Em Buenos Aires e na área metropolitana, a temperatura ao redor de 1 grau Celsius na noite de terça para quarta-feira disparou o consumo residencial, que chegou a 40 milhões de metros cúbicos (volume superior em 5 milhões de metros às marcas máximas registradas anteriormente).

Por causa da falta de energia elétrica, a produção de farinha despencou entre 40% e 50%, segundo fontes do setor, e os preços tiveram aumento de até 100% em uma semana.