Título: Alfabetização fantasma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Ao lançar o chamado ¿PAC da educação¿, em março, o governo teve o bom senso de anunciar a progressiva substituição dos professores leigos por professores da rede pública nos programas de alfabetização de adultos. A contratação de docentes leigos foi uma das inovações introduzidas pelo Brasil Alfabetizado, ambicioso programa lançado pelo presidente Lula no início de seu primeiro mandato que vem apresentando resultados medíocres.

O que levou o governo a dispensar os professores leigos foi a constatação de que, além de não terem competência técnica para atuar como alfabetizadores, muitos eram ligados a organizações não-governamentais (ONGs) que haviam sido criadas só para abocanhar verbas públicas. Entre 2003 e 2006, o Brasil Alfabetizado consumiu R$ 750 milhões - a maior parte repassada para ONGs. Contudo, a maioria do público-alvo do programa - 7,3 milhões de pessoas com idade acima de 15 anos - continuou sem saber ler e escrever.

Reportagem do Jornal da Tarde mostrou algumas das fraudes praticadas pelas ONGs contratadas pelo Brasil Alfabetizado na cidade de São Paulo. Entre as irregularidades mais graves, os repórteres do JT descobriram a existência de classes fantasmas, duplicidade de turmas, docentes cadastrados para atuar em três lugares diferentes no mesmo horário e professores leigos que estão há meses sem receber salários, embora as ONGs que os contrataram tenham recebido repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Só no primeiro semestre de 2007, os repasses para entidades com sede na capital paulista totalizaram R$ 20 milhões. A equipe do JT visitou mais da metade das 241 turmas cadastradas em São Paulo e encontrou graves irregularidades em 80. Várias delas têm como endereço terrenos baldios. No endereço de outras estão residências cujos proprietários jamais ouviram falar do Brasil Alfabetizado.

A ONG que mais recursos recebeu do governo e que não cumpriu o calendário escolar do primeiro semestre de 2007 é vinculada à Central Única dos Trabalhadores. E vários dirigentes das demais acusadas de irregularidades são filiados ao PT. Isso é uma prova do aparelhamento partidário do Brasil Alfabetizado. Em resposta às denúncias da reportagem do JT, o diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos do MEC, Timothy Ireland, admitiu que o órgão não tem condições de fiscalizar todas as ONGs cadastradas. Por falta de técnicos, disse ele, a fiscalização é feita apenas por amostragem.

Isso dá a medida da farra da distribuição de dinheiro público a ONGs - um problema que o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou em várias outras áreas, além da educacional. Há seis anos, a estimativa era de que existiam 22 mil ONGs no País. Atualmente, estima-se que existam 260 mil, e a maioria sobrevive à custa da União. Entre 2001 e 2006, o total de recursos repassados a essas entidades pelo governo chegou a R$ 11 bilhões. O Orçamento para 2007 prevê um repasse de R$ 2 bilhões a ONGs, das quais várias, em contradição com o próprio nome, vivem exclusivamente de verbas governamentais. Como se vê, de não-governamentais, essas ¿organizações¿ não têm nada.

Segundo o TCU, muitas dessas entidades não têm qualificação técnica, condições administrativas, pessoal qualificado e experiência para exercer serviços públicos. Seus projetos são mal elaborados, com propósitos vagos e metas insuficientemente descritas. Várias ONGs gastam mais consigo próprias do que com atividades-fim. O JT constatou que esse é o caso das entidades contratadas para desenvolver programas de alfabetização na capital.

Diante desse quadro, além de substituir docentes leigos por docentes da rede pública, o MEC decidiu reduzir o número de convênios com essas entidades no Brasil Alfabetizado. A iniciativa é oportuna. Mas, para se moralizar de uma vez por todas a atuação das ONGs, é preciso nova regulamentação do setor. Em 2004, as ONGs mais sérias fizeram essa reivindicação ao presidente Lula. Mas, como de hábito, ele criou um grupo de estudo e o assunto foi esquecido.