Título: Agora é o MST do Rainha
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Notas e Informações, p. A3

José Rainha Júnior tornou-se para a direção nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST) uma espécie de pílula quadrada que a entidade tem cada vez mais dificuldade de engolir, mas nem por isso pode descartar, tal o número de adeptos que ele ainda consegue arregimentar em suas operações ¿autônomas¿. Mesmo tendo sido proibido pela cúpula do movimento de agir em seu nome desde 2002, e mesmo tendo sofrido várias sanções da Justiça - foi condenado em 2000 por dano ao patrimônio público, em 2003 por porte ilegal de arma, em 2005 a dez anos por incêndio criminoso e furto qualificado, além de ter ficado preso por 121 dias por formação de quadrilha e porte ilegal de arma -, Rainha inicia, agora, uma nova onda de invasões em São Paulo. O plano, iniciado com a invasão de duas propriedades, na madrugada de quinta-feira, na região de Araçatuba, tem o nome de ¿Inverno quente¿ e ¿Operação São João¿.

Rainha reuniu para sua operação de inverno 350 militantes do MST que lhe são fiéis. E, certamente, para compensar a falta de apoio da direção nacional emessetista, o líder da facção dissidente do MST aliou-se com sindicatos de agricultores familiares e trabalhadores rurais filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ele também desenvolve outras operações de invasão na região de maiores conflitos fundiários do Estado, o Pontal do Paranapanema, no que afirma seguir a orientação do 5º Congresso Nacional do MST, há pouco realizado em Brasília. ¿O congresso chegou à conclusão de que somente através de alianças com os trabalhadores de outras categorias e de lutas concretas será possível avançar a reforma agrária¿ - disse Rainha, justificando as novas operações que comanda.

Mas as justificativas de Rainha parecem mais ¿autônomas¿, quando ele explica as razões de escolha dos locais invadidos, como a Fazenda Aracanguá, em Santo Antonio de Aracanguá, e a Fazenda Araçá, em Araçatuba. Diz ele que o objetivo é cobrar rapidez do Judiciário na imissão de posse de propriedades que foram desapropriadas há mais de três anos. A esse respeito, parece que os sem-terra só acham que a Justiça age com rapidez (no caso, exagerada) quando expede mandados de reintegração de posse contra seus esbulhos. No entanto o MST de Rainha revela um objetivo adicional ao desencadear novas invasões na região do Pontal: trata-se de combater o projeto de lei encaminhado pelo governador José Serra à Assembléia Legislativa, tendo em vista a regularização de títulos de propriedades com mais de 500 hectares em áreas de terras devolutas.

No tocante ao boicote da iniciativa de regularização fundiária que o governador Serra empreende no Pontal do Paranapanema, o MST de Rainha parece perfeitamente alinhado com sua matriz - conforme se depreende do que disse o coordenador do MST no Pontal, Valmir Rodrigues Chaves. Para Rainha, a iniciativa do governador é ¿mais um ato de privatização do governo tucano, pois são terras públicas e deveriam ser usadas para novos assentamentos¿.

Curioso é esse raciocínio, que parece não considerar que uma desapropriação levada a efeito pelo Incra, por exemplo, para efeitos da reforma agrária, não deixa de ser uma ¿privatização¿ de áreas públicas - ou será que os lotes de terra distribuídos aos assentados continuam pertencendo ao Estado?

Há que se entender, certamente, que no campo da reforma agrária os movimentos de sem-terra, nos dias que correm, têm razões políticas que a razão da produção no campo desconhece. Não interessa a ninguém - nem ao MST, nem ao MST de Rainha, nem aos seus assemelhados e aliados - o encaminhamento de solução para a região que mais sofre com conflitos fundiários. Pois, se estes conflitos eventualmente desaparecessem, se chegasse a um nível razoável de convivência das partes em disputa - algo que de alguma forma favorecesse a produção e o aumento de renda naquela região -, de que forma os ¿movimentos sociais¿ haveriam de mostrar seus serviços, manter suas estruturas e abastecer-se de subsídios, internos e externos, fornecidos pelo governo, pela Via Campesina e outros mantenedores?