Título: As CPIs e a segurança de vôo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O mais novo escândalo de corrupção nacional, que já custou a cabeça de um ministro de Estado, ao espalhar aflições pelo Congresso e se espalhar pelo noticiário, vem remetendo a segundo plano os trabalhos da CPI da Câmara sobre a crise do sistema de transporte aéreo brasileiro. A tal ponto que há quem diga que a única serventia de sua criação foi a de ter provocado uma decisão do Supremo Tribunal Federal garantindo o direito das minorias parlamentares de abrir investigações do gênero, obedecidas as exigências regimentais para tanto. Mas o pessimismo talvez não se justifique.

Os primeiros depoimentos tomados pela comissão sobre a gênese do chamado apagão aéreo - a tragédia do choque de dois aviões sobre a Amazônia, em setembro passado -, bem como as revelações da imprensa a respeito, começam a mostrar com mais nitidez a amplitude dos problemas da segurança de vôo no País. É um terreno que a CPI já em curso e a do Senado, ainda inoperante, precisam desbastar diligentemente, por motivos mais do que óbvios, cercando-se, porém, de precauções técnicas e evitando a todo custo a politização das apurações. Outro cuidado essencial é o de ir além da distribuição de culpas pela catástrofe.

Na troca de acusações entre a FAB e os controladores do tráfego aéreo, há argumentos defensáveis de parte a parte. Os fatos e alegações vindos à tona há pouco tendem a suportar essa avaliação. Na segunda-feira da semana passada, os membros da CPI em visita ao Cindacta I, em Brasília, que administra o movimento aéreo num polígono que vai de Goiás ao Espírito Santo, passando por Minas, São Paulo e Rio, ouviram o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, gabar-se da ¿excelência das condições de trabalho aqui proporcionadas¿.

Não é porém o que se lê no relatório oficial obtido por um dos integrantes da CPI, o deputado Vanderley Macris, do PSDB paulista, trechos do qual foram divulgados pelo jornal Valor. O documento, originário do Centro de Controle da Área de Brasília, informa que, de setembro a novembro do ano passado, os controladores do Cindacta I fizeram 150 ¿relatórios de perigo¿, espécie de boletins de ocorrência de anormalidades constatadas na região de 1,5 milhão de km², três vezes a superfície da França, por onde flui 2/3 do tráfego aéreo nacional, ou 2,6 mil vôos diários.

As ocorrências são de pasmar - configurando, pelo número e pela gravidade, uma situação próxima do caos. Radares entram em pane, comunicações com aeronaves não se completam ou sofrem fortes interferências, imagens de pistas aparecem duplicadas nas telas, obrigando os controladores, para incrementar a segurança, ¿a executar procedimentos alternativos¿ que propagam atrasos pelo País afora. Pior, queixam-se os operadores, é a questão das freqüências. ¿Sem meios de se comunicar¿, assinalam, ¿será impossível ao controlador repassar com precisão informações que garantam a segurança das aeronaves.¿

O alarme foi corroborado na CPI pelo presidente da associação dos controladores, sargento Wellington Andrade Rodrigues. Ele confirmou a informação de um deputado, segundo a qual dois aviões quase colidiram perto de Brasília há questão de duas semanas. Os aviões ¿passaram realmente muito próximos¿, asseverou o militar. (A Aeronáutica levou dois dias para reconhecer o fato.) De seu lado, o sindicalista e ex-controlador de vôo Jorge Botelho admitiu que ¿pode ter havido erro¿ dos funcionários na catástrofe de 29 de setembro, embora insistisse na responsabilidade das autoridades pelas ¿deficiências do sistema¿.

No último sábado, com efeito, o Jornal Nacional exibiu imagens dos radares da FAB na hora do acidente, respaldando a versão de que os equipamentos dos centros de controle de Manaus e de Brasília funcionavam normalmente. Segundo a Aeronáutica, três vezes os operadores de plantão puderam ver nas telas advertências sobre a contramão em que voava o Legacy, a 37 mil pés, que o fez abalroar o Boeing da Gol. O inquérito da Polícia Federal confirma os avisos e conclui que os controladores nada fizeram para evitar o choque - ¿deixaram de aplicar as regras do ar¿, diz o relatório. Uma coisa, de todo modo, é apurar o que se passou naquela tarde. Outra é garantir a segurança de vôo no Brasil. Esse deve ser o fim último das CPIs.