Título: 'Al-Qaeda sonha com uma guerra entre os EUA e o Irã'
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Internacional, p. A9

O maior sonho da Al-Qaeda é uma guerra entre Estados Unidos e Irã - e Osama bin Laden pode armar um atentado terrorista para culpar os iranianos e desencadear um conflito. Esse é o alerta do especialista em Al-Qaeda Bruce Riedel, que trabalhou 30 anos no serviço de inteligência americana. Riedel é autor do principal artigo da última edição da revista Foreign Affairs, intitulado ¿A Al-Qaeda contra-ataca¿. No artigo, ele adverte que a organização está mais forte do que nunca. Riedel começou a monitorar a Al-Qaeda desde que o grupo entrou no radar da inteligência americana, em meados dos anos 90. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu a jornalistas, entre eles a correspondente do Estado, por teleconferência.

O sr. diz que a Al-Qaeda está tentando levar os EUA a uma guerra contra o Irã. Por que e como eles fariam isso?

A Al-Qaeda encara o Irã como um de seus grandes inimigos. Osama bin Laden é um fundamentalista sunita - para ele, a facção xiita é uma apostasia. O maior medo da Al-Qaeda não é a manutenção das forças americanas no Iraque. E sim o que vem depois - um Iraque dominado por xiitas, alinhado com o Irã, que eles vêem como o renascimento do império persa que dominou o Iraque nos séculos 16 e 17. Por isso, a Al-Qaeda tem falado abertamente em fazer com que seus dois maiores inimigos, EUA e Irã, entrem em guerra. Uma opção para eles estimularem o conflito seria a chamada operação ¿bandeira falsa¿: organizar um atentado terrorista e fazer com que pareça que outro grupo foi responsável. Por isso, é importante que, no caso de um ataque terrorista, se investigue cuidadosamente a autoria.

Os EUA não devem fazer nada sobre a ameaça nuclear do Irã?

Há várias maneiras de reagir, como recorrer ao Conselho de Segurança da ONU, impondo sanções. É a abordagem correta, mas exige paciência. Entrar em mais um conflito militar é cair na armadilha da Al-Qaeda.

O sr. diz que a Al-Qaeda está hoje mais perigosa. Por quê?

Depois do 11 de Setembro, eles atacaram em Argel, Casablanca, Madri, Londres, Bali, na Arábia Saudita, no Egito e na Turquia, sem mencionar as guerras civis que estão ajudando a promover no Afeganistão e Iraque. A Al-Qaeda e seus aliados do Taleban reconstruíram suas operações no Afeganistão e na região do Baluquistão, no Paquistão. As operações haviam sido interrompidas com a invasão americana no Afeganistão. Mas, em vez de os americanos terminarem o serviço, desviaram a atenção para o Iraque, e a Al-Qaeda conseguiu se recuperar. No Iraque, aliás, nem existia Al-Qaeda seis anos atrás, e agora se transformou na franquia mais bem-sucedida de todas, a Al-Qaeda da Mesopotâmia.

O sr. acha que os EUA estão mais aptos para reagir a um ataque?

Com certeza. Mas, no momento, o foco da estratégia da Al-Qaeda são as guerras no Afeganistão e no Iraque. Bin Laden afirmou diversas vezes que seu objetivo com o 11 de Setembro era fazer com que os EUA interviessem no mundo islâmico e aí se enterrassem em um atoleiro. Sua analogia sempre foi o que os mujahedin fizeram com os soviéticos no Afeganistão. E os EUA estão exatamente onde Bin Laden queria - no Iraque, sangrando gradualmente e perdendo o ânimo.

Quais as chances de um novo ataque da Al-Qaeda contra os EUA?

Cedo ou tarde teremos outro atentado nos EUA. O ataque do ano passado, que foi planejado na Grã-Bretanha, chegou perto de ser bem-sucedido. As restrições a líquidos que se podem levar a bordo dos aviões mostram o quanto a Al-Qaeda esteve perto de seu objetivo. O plano era explodir dez aviões Jumbo simultaneamente no Atlântico Norte. Caso eles tivessem 60% de acerto, o ataque teria conseqüências devastadoras para a economia global. Subestimar a Al-Qaeda é um erro grave.

Essas novas medidas de segurança são eficientes?

Elas são conseqüência do plano desbaratado pelos britânicos. A combinação de líquidos teria funcionado, por isso as restrições foram necessárias. Essa é uma amostra de que defender a segurança nacional pode ser caro e um fardo para o cidadão comum, mas temos de nos defender. O problema é que também precisamos investir em operações ofensivas contra o inimigo no Afeganistão e no Paquistão - e há muito tempo não fazemos isso.

Quais foram os erros dos EUA que ajudaram a fortalecer a Al-Qaeda?

O maior erro foi ter perdido o foco. Em 2002, a Al-Qaeda estava na mira no Afeganistão, e no Paquistão deveríamos ter perseguido a liderança deles, pressionado os paquistaneses para agirem contra o terrorismo e terminado o serviço no Afeganistão. Em vez disso, tomamos a decisão errada de começar uma guerra desnecessária no Iraque, que ainda criou uma cause célebre para os jihadistas. A Al-Qaeda, antes de todos, viu que o Iraque seria uma armadilha para os EUA. Agora, precisamos desenvolver uma grande estratégia para atacá-la em várias frentes. Primeiro, desestruturar a liderança escondida no Paquistão e aumentar significativamente nossa presença no Afeganistão. Em segundo lugar, é preciso fazer mais no campo das idéias - a Al-Qaeda explorou a invasão americana no Iraque como exemplo de colonialismo ocidental. Estragamos nosso discurso com Guantánamo e Abu Ghraib, e, até que possamos mostrar que aprendemos com esses erros, não vamos ganhar a guerra das idéias.

Como ir atrás da liderança da Al-Qaeda, se ela está escondida numa região onde nem o governo do Paquistão consegue chegar?

Precisamos obter a cooperação do Paquistão. A abordagem deve ser sofisticada, para os paquistaneses verem que tolerar qualquer tipo de terrorismo é contra seus interesses. Temos uma oportunidade única na Caxemira, porque os EUA têm ótimas relações com Paquistão e com Índia, e já há um diálogo em curso entre os dois países. Devemos apoiar esse diálogo. Isso ajudaria a fechar o celeiro de terroristas da Caxemira, do Taleban e da Al-Qaeda em que se transformou o Paquistão.

De que maneira os EUA precisam mudar seu discurso?

A Al-Qaeda retrata os EUA como uma nação imperialista tentando roubar os recursos naturais do Oriente Médio e apoiando tudo o que Israel faz. O discurso precisa recomeçar do zero, voltar a apoiar a paz entre palestinos e israelenses. Deixar claro que não queremos ter bases permanentes no Iraque ou no Afeganistão. E esforçar-se para reativar o diálogo entre árabes e palestinos, como fizeram Bill Clinton, Bush pai e outros. Se bem que, a essa altura, acho que não sobrou muita credibilidade do governo Bush no mundo islâmico. Será difícil construir um novo discurso para a região.

Quem é: Bruce Riedel

Trabalhou por 30 anos no serviço de inteligência dos Estados Unidos

É especialista em Al-Qaeda, desde que a rede terrorista entrou no radar de inteligência dos EUA, no começo dos anos 90.