Título: Concessões rodoviárias
Autor: Godoy, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Economia, p. B2

Suspenso novamente desde janeiro deste ano, em um périplo que se arrasta desde 2002, o programa de concessão de rodovias federais para a gestão privada parece ainda envolto em muitas dúvidas e hesitação. Há, dentro do poder público, incertezas de como garantir o equilíbrio entre preços módicos aos usuários, retorno adequado ao investimento dos empreendedores e, sobretudo, qualidade nas condições de rodagem nas estradas, fator fundamental para a competitividade das empresas, para o crescimento econômico e para a segurança dos motoristas.

Diversas alternativas têm sido engendradas neste momento, como adoção de cobrança eletrônica, reorganização de praças de pedágio, redução do custo tributário e de obrigações operacionais e realização de obras preliminares pelos órgãos públicos, entre outras. Entre boas e más idéias, mora sempre o risco da demora na tomada de decisão, o que somente aumenta o tamanho do problema. Enquanto propostas são debatidas, a qualidade do asfalto se deteriora ainda mais, veículos se acidentam e motoristas perdem a vida.

A cobrança eletrônica por quilômetro nas rodovias administradas pela iniciativa privada pode ajudar a tornar a cobrança mais justa. O motorista pagará um valor fixo por quilômetro percorrido. Esse sistema já é realidade em muitos países desenvolvidos. A solução, no entanto, não é de curto prazo, pois envolve a decisão sobre tecnologia e implementação. É imprescindível que não se postergue a transferência dos sete lotes à iniciativa privada sob a justificativa de desenvolver alternativas, por melhores que elas sejam. O Brasil não pode esperar mais do que já esperou.

Outra sugestão é a instalação de novas praças de pedágio, numa busca de capturar motoristas que usam as estradas - e os serviços médicos e de socorro mecânico oferecidos pelas concessionárias - e não pagam pedágio em nenhum local. Na Rodovia Dutra, por exemplo, dos cerca de 794 mil veículos que trafegam nela diariamente, apenas 10% passam pelas cabines, pagam o pedágio e sustentam a manutenção dos serviços e da qualidade das pistas. O Tribunal de Contas da União (TCU) acertou em permitir que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e as concessionárias promovam uma reorganização nos locais das praças de cobrança, quando isso se mostrar necessário. A intenção é sempre fazer com que mais usuários paguem pela manutenção do serviço e que o preço unitário seja diminuído para todos. Essas inovações, no entanto, precisam ser implementadas em um ambiente de negociação com as concessionárias de rodovias, pois é primordial respeitar os contratos vigentes.

O governo estuda, ainda, a possibilidade de o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) fazer obras de recuperação localizadas e, somente depois, transferir os trechos à iniciativa privada. Isso não se justifica. Por melhor que seja a intenção, essa solução traz um modelo perverso aos brasileiros mais pobres. Em vez do motorista que usa a rodovia arcar com os custos dos investimentos necessários, por meio do pagamento do pedágio, serão todos os brasileiros, por meio dos impostos pagos, que o farão, independentemente se têm carro ou não, se viajam ou não. Insistir na idéia de recuperar estradas com dinheiro público significa forçar 180 milhões de pessoas a pagarem por algo que será utilizado só por poucos.

A isenção tributária é um caminho correto para reduzir o preço pago pelos usuários, não somente nas rodovias, mas em todos os serviços públicos, como energia elétrica, telefonia e abastecimento de água e coleta de esgoto. A carga tributária incidente sobre o preço dos pedágios e dos produtos e serviços é muito elevada no Brasil, onera o cidadão e inibe o consumo. Sobre as rodovias, é de 25%. Na eletricidade, atualmente, quase 50% do preço da fatura mensal são impostos e encargos. Na telefonia, cerca de 40% das faturas. No saneamento, 20%.

O Estado precisa ser ousado. Há interesse da iniciativa privada em recuperar e administrar mais de 15,6 mil quilômetros de rodovias federais, por meio de concessões e em parceria com o poder público, que poderia usar os recursos arrecadados com o pagamento de outorgas para financiar as Parcerias Público-Privadas. Os impostos incidentes sobre as concessionárias ao longo do período de concessão poderiam compor um fundo para permitir ao governo promover investimentos na reconstrução e na manutenção anual de outros 40 mil quilômetros de estradas, hoje entre as piores do Brasil quando o assunto é condições de rodagem. Com essa diretriz, haveria a universalização da qualidade nas estradas, por meio de um plano estável e contínuo, e a alocação dos custos somente sobre os usuários - e não sobre a sociedade como um todo, como usualmente, e erroneamente, é feito.

A fórmula mais sustentável para a tarifa justa é a redução da carga tributária sobre o serviço e a promoção de competição entre os investidores interessados. O governo precisa se preocupar em estabelecer regras atrativas nos editais do leilão de concessões e em atrair muitos participantes, de forma responsável e qualificada. A concorrência acirrada dentro da iniciativa privada encontrará o preço adequado, ao contrário do efeito causado por mecanismos intervencionistas que, geralmente, resultam em preços mais altos na economia.