Título: Ambigüidades e maus conselhos
Autor: Abreu, Marcelo de Paiva
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Economia, p. B2

Será o País ou serão os olhos? É difícil identificar as tendências em meio ao turbilhão das frenéticas negociações políticas do governo, quase sempre tisnadas pelo fisiologismo e pela ausência de espírito público. Do outro lado, a oposição acuada, quase inapetente, conivente com a pasmaceira e a complacência em relação a decisões estruturais necessárias para tentar tirar o País de sua mediocridade.

Vive-se situação de grande ambigüidade. O contraste entre a situação econômica e o colapso da gestão pública revelada pela crise no transporte aéreo é brutal. De um lado, o emblemático prêmio de risco em 163 pontos, com o ¿investment grade¿ ali na curva. De outro, caos nos aeroportos, motins, decisões presidenciais equivocadas, remendos, fracasso na gestão da crise. O presidente permitiu que o seu agudo faro político fosse amplamente batido pelas notórias limitações de seu poder analítico. É nessas horas que faria bastante diferença a qualidade dos que têm acesso aos seus ouvidos.

É verdade que os entusiasmos econômicos devem ser moderados por qualificações importantes. O atual prêmio de risco Brasil de 163 pontos não é o menor da História. Isso só seria correto se a História tivesse começado em 1994. Em diversos momentos no Império - na década de 1850, na primeira metade dos 1870, logo antes da proclamação da República -, rondou 160 pontos. Na República Velha, antes da 1ª Guerra Mundial, quase alcançou 100 pontos. E não é que a História tenha demonstrado que tais fatos configurassem condição suficiente para que o País crescesse de forma rápida e sustentada. Também é verdade que os novos dados das contas nacionais indicam que a taxa de investimento brasileira é quase ridícula, 17% do Produto Interno Bruto (PIB), comparados aos quase 40% da China e mais de 25% da Índia.

Tais qualificações não devem afetar o reconhecimento do grande sucesso da política econômica do atual governo, em particular do Banco Central, embora tal constatação faça ranger alguns dentes. Queiram, ou não, Afonso Bevilaqua, até recentemente diretor de política monetária do Banco Central, foi o grande eleitor do presidente em 2006. Mas diz bem da esquizofrenia do governo que politicamente seja considerado essencial manter o Banco Central sob fogo cerrado por meio de declarações de membros da administração que incluem desde o vice-presidente da República até ministros e autoridades da área econômica. Não parece suficiente o afastamento de um loquaz lobista para caracterizar, como querem alguns analistas, nova unidade de pensamento e ação na área econômica. Sempre haverá alguém que, enrolado na carta-testamento de Getúlio Vargas, trate de, afinal, fazer com que o FMI se curve ante o Brasil. Certamente um dos brasileiros que, segundo o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães - corifeu do queremismo oliváceo que tem ganho terreno no País -, ¿preferem o Brasil e dele se orgulham, em contraste com aqueles que se consideram cidadãos do mundo, cosmopolitas sem ideal, para quem o Brasil é um mercado, não uma Nação, e o brasileiro um consumidor, e não um cidadão¿. No mundo do embaixador, cidadão não é consumidor, provavelmente se alimenta de ilusões diplomáticas e perorações pseudonacionalistas. Se o doutor Johnson já criticava os que usavam politicamente o patriotismo, o que diria dos que se pretendem monopolistas no patriotismo?

Cometer erros grosseiros na condução de políticas setoriais não é privilégio do governo Lula. A crise do setor elétrico no governo FHC foi extremamente séria e certamente contribuiu para afetar as chances eleitorais do candidato presidencial situacionista nas eleições de 2002. Ficou difícil vender a imagem de eficiência que havia sido acumulada em outros setores, ante os grotescos erros na área energética. O problema do governo atual com o ¿apagão aéreo¿ não é quanto à sua ocorrência, na esteira do acidente com o avião da Gol, no final do ano passado. É com a morosidade e a inépcia de todo o processo decisório que envolve a reestruturação das regras que regulam o tráfego aéreo no País. O presidente FHC, constatado o desastre energético de 2001, escalou rapidamente um responsável para gerir as conseqüências da crise, Pedro Parente, que se desincumbiu bastante bem da sua missão, após período inicial de relutância quanto ao uso de aumento de preços para reduzir a demanda. Dilma Rousseff não tem demonstrado o mesmo talento quanto à capacidade de equacionar as dificuldades do setor aéreo que incluem, além de tráfego aéreo, infra-estrutura aeroportuária, autonomia de agências reguladoras, estrutura da indústria de transporte aéreo e o papel efetivo do Ministério da Defesa.

Enquanto isso, em meio à ambigüidade e aos maus conselhos, o presidente ocupa a sua pauta com assuntos irrelevantes, tais como o apoio às pretensões argentinas nas Falkland ou se o Brasil vai apoiar a criação de um Banco do Sul, sob a batuta da Venezuela. Presidente, que tal fazer a promessa de não visitar a Venezuela, o Equador, Cuba ou a Bolívia nos próximos 12 meses e tratar da reforma tributária, da reforma previdenciária, da segurança pública e do planejamento estratégico da infra-estrutura?