Título: Operação para um inimigo imaginário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Nacional, p. A12

O Exército estava preparado para ataques aéreos, químicos e de franco-atiradores, mas a maior ameaça enfrentada pelo presidente americano no Brasil foi o plano de ataque de um grupo de estudantes com bexigas cheias de tinta vermelha e sprays usados em pichações. Eram 11h05 de sexta-feira quando a informação sobre a aproximação dos manifestantes chegou por rádio ao posto de comando do 2º Batalhão da Polícia do Exército (2º BPE), instalado ao lado do Hotel Hilton, onde estava hospedado George W. Bush.

De imediato, o tenente-coronel Hildefonso Bezerra Falcão, de 41 anos, chamou seus oficiais e determinou o desdobramento da tropa. Em todo o perímetro do quarteirão do hotel havia homens da PE e do 22º Batalhão de Logística armados com fuzis, mas também com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo.

O objetivo dos manifestantes, segundo a informação recebida pelo oficial, era estourar uma daquelas bexigas na limusine de Bush e manchá-la de vermelho. Depois de passar as ordens aos subordinados, o tenente-coronel, no comando do 2º BPE há 1 ano e 4 meses, vestiu o colete à prova de balas, pôs o capacete e saiu do trailer onde seu posto estava instalado, para dirigir pessoalmente a operação.

Falcão contava com 400 homens na área e mantinha outros 400 de prontidão no quartel em Osasco. Caso a entrada do hotel pela Avenida Luis Carlos Berrini fosse impedida pelos manifestantes, Bush usaria outra entrada, na Marginal do Tietê. No posto de comando, o oficial tinha um mapa com todos os pontos de bloqueio da região e com a distribuição de seus homens.

Os estudantes chegaram quase uma hora depois, mas não tinham as tais bexigas com tinta. 'Foi só especulação', disse Falcão. Mas, se os estudantes não carregavam bexigas para manchar a comitiva de Bush, traziam tinta suficiente para pichar palavras de protesto contra sua visita ao País. Impedidos pela segurança de se aproximarem do presidente americano, os estudantes resolveram protestar contra a 'repressão'. 'Não houve problema. Foi uma manifestação pacífica', disse o oficial.

Mesmo depois da saída definitiva de Bush do hotel, os homens da PE permaneceram no local até 30 minutos depois de seu embarque para o Uruguai - para a eventualidade de ele de ter de retornar ao lugar por causa de algum imprevisto. Lá também ficaram os detectores de metais e explosivos instalados pelo serviço secreto americano na entrada do hotel - hóspedes e funcionários tiveram de passar pelo aparelho operado pelos americanos com a ajuda de policiais federais. Mas nada de suspeito foi achado.

Também não foi preciso disparar nenhum tiro com a canhão antiaéreo Bofors, de 40mm, trazido do litoral para proteger os céus de São Paulo. Muito menos foi necessário usar os mísseis terra-ar Igla 9k-38, de fabricação russa, que vigiaram o espaço aéreo da cidade. O Centro de Operações de Segurança Integrada (Cosi), montado pelo Exército, contava até com uma companhia de descontaminação química, biológica e nuclear, uma tropa trazida de Goiás. O temido ataque químico com gases não veio, nem o atentado com explosivos e franco-atiradores.

Nos caminhos percorridos por Bush, o Exército só teve trabalho com os curiosos que queriam ver a comitiva americana de perto. Espalhados pela cidade, os militares fecharam e abriram as ruas à medida que a comitiva americana passava. Cento e noventa homens do 6º Batalhão de Infantaria Leve (6º BIL) e 290 do 4º BIL ocuparam as Avenidas Radial Leste e 23 de Maio. Patrulhas percorriam os trajetos, vigiados por três helicópteros do Exército.

O maior esquema de segurança já feito na cidade contou com 4 mil homens. 'Saiu tudo como planejado', disse o tenente-coronel Adílson dos Santos Silva, comandante do 4º BIL. Assim, Bush voou para o Uruguai sem que o Exército enfrentasse nem mesmo bexigas com tinta.