Título: Caçadores de bruxas na CTNBio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Quanto mais os ecoxiitas perceberem que tende a se estreitar o espaço para as chicanas com que têm conseguido bloquear a aprovação do plantio comercial de espécies geneticamente modificadas (OGM), no âmbito da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o colegiado multidisciplinar instituído para esse fim, tanto mais eles passarão a recorrer a métodos agressivos - aprendidos com os seus correligionários europeus e com o MST brasileiro - para amedrontar os cientistas e representantes do governo na comissão. A ela cabe decidir, com base em pesquisas certificadas por terceiros, na experiência de outros países e na literatura científica pertinente, quais variedades transgênicas podem ser cultivadas em solo brasileiro por não oferecer riscos ao ambiente e à saúde.

A história do ingresso da agricultura nacional na era da biotecnologia deixa claro que os grupos que lhe são hostis têm sabido transformar derrotas em vitórias. Depois de perder no Congresso a batalha da Lei de Biossegurança, que recriou a CTNBio, nascida no primeiro governo Fernando Henrique, ganharam a batalha da regulamentação das normas de funcionamento da agência. O grande êxito dos fundamentalistas foi a imposição do extravagante quórum de 2/3 dos votos para as decisões sobre a liberação de OGMs, presentes 2/3 dos 27 membros titulares. Armados dessa regra draconiana, trataram de transformar cada reunião da agência numa assembléia estudantil, como não se cansou de denunciar o seu presidente, o bioquímico Walter Colli, da USP.

Com isso, afugentavam das sessões os especialistas, vencidos pelo cansaço, que têm mais a fazer, enquanto as matérias em pauta juntavam mofo. E, por via das dúvidas, completam a obstrução em plenário com o envio de todo tipo de recursos à Justiça. Resultado: apenas um tipo de soja GM e outro de algodão podem ser plantados legalmente no Brasil. Na paralisada fila da CTNBio, dormitam pedidos de 10 outras variedades. Fechando o improdutivo ano de 2006, a fronda do atraso festejou a não aprovação, por falta de 1 voto no quórum estatuído, de uma vacina transgênica para suínos e eqüinos defendida pelos melhores especialistas em segurança animal. Mas o governo passou a emitir sinais inquietantes para os medievais que manietaram a CTNBio para todos os efeitos práticos.

Há dias, o presidente Lula anunciou um Programa de Desenvolvimento da Biotecnologia de R$ 10 bilhões. À parte não se saber de onde virão esses recursos, o seu mero enunciado aponta para a refundação da CTNBio. Não apenas por coerência, mas porque já se esgotou a paciência de setores influentes do próprio governo com a inoperância forçada da comissão. A tendência do Planalto é apoiar o projeto em tramitação no Senado que acaba com o quórum feito para sabotar as deliberações do colegiado. A sua composição também poderá ser alterada. 'A CTNBio tem entre seus membros pessoas que reagem aos transgênicos como se reagia a Oswaldo Cruz, quando propôs a vacinação contra febre amarela, no início do século 20', atesta o ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende.

Esse é o pano de fundo que explica a escalada de violência dos fanáticos, no reinício dos trabalhos da comissão, cuja pauta é encabeçada por um pedido de liberação de milho transgênico. Enquanto os comissários alérgicos ao progresso procuram embaralhar a audiência pública que, por decisão judicial de sua iniciativa, deve anteceder a votação - fazendo o mesmo de sempre, portanto -, os seus aliados da pesada já partiram para a intimidação. Ativistas do Greenpeace, com máscaras aterrorizadoras de caçadores de bruxas, assediaram membros da CTNBio que foram a Brasília, fotografando-os e colocando os retratos no seu site - e em postes, como se fossem bandidos. Além disso, entupiram as suas caixas de correio eletrônico. A do professor Colli recebeu mais de 1.500 e-mails. 'Estou me sentindo acuado', confessa.

O assédio não é coisa de meia dúzia de cabeças quentes. É uma ameaça real aos que 'emprestam os seus conhecimentos para o bem do País', denuncia Colli. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências manifestaram-se em defesa da CTNBio. É pouco. Já se trata de um caso de polícia.