Título: Até quando teremos novos medicamentos?
Autor: Reinach, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2007, Vida&, p. A21

Nunca o homem soube tanto sobre o funcionamento do corpo como neste início de século. Deciframos nosso genoma e possuímos cada vez mais conhecimentos sobre as doenças. Esse acúmulo de informações deveria ser acompanhado pela descoberta de um número crescente de medicamentos, mas o que ocorre é que o número de drogas em desenvolvimento tem diminuído. Uma das causas desse aparente paradoxo é nossa relação com os remédios.

Existem dois tipos de empresas farmacêuticas. Algumas se dedicam a descobrir medicamentos, o que significa gastar fortunas em pesquisa, testes clínicos e na aprovação junto aos governos. Como ¿recompensa¿ pelo risco, elas recebem a patente do novo medicamento, o que garante o monopólio na comercialização por 20 a 25 anos. Durante esse período, cobrando muito e protegidas da concorrência, elas recuperam os custos de pesquisa e obtêm um retorno financeiro compatível com o risco. Todos sabem a data exata em que a patente expira.

As empresas do segundo grupo, dedicadas à produção de genéricos, se preparam para lançar o medicamento no dia seguinte em que expira a patente. Esses laboratórios não correm os riscos envolvidos na pesquisa de novos medicamentos e concorrem entre si. São eles que garantem que os remédios se tornem mais baratos ao longo do tempo.

O que vem ocorrendo é que o custo para desenvolver novos medicamentos tem crescido, e só drogas com um grande potencial de vendas se pagam. O resultado dessa equação é que, nos últimos anos, o número de drogas em desenvolvimento tem diminuído aos poucos.

Parte do problema vem da mudança no que entendemos por medicamentos. No passado, tanto o médico como o paciente sabiam que ingerir um remédio significava um aumento da probabilidade de cura, associado ao risco de sofrer efeitos colaterais. O remédio era aceito como uma faca de dois gumes.

Com o avanço da tecnologia e da propaganda da própria indústria farmacêutica, o remédio ideal passou a ser visto como uma arma sem efeitos colaterais. Para os médicos, essa mudança diminuiu a responsabilidade de pesar benefícios e riscos. À medida que a sociedade assimilou esse conceito, os órgãos responsáveis pela aprovação passaram a ser cada vez mais exigentes nos testes e menos tolerantes com relação aos efeitos colaterais. Com isso, o funil da aprovação foi se estreitando e os custos de desenvolvimento aumentando.

É difícil prever para onde caminha esse processo, mas muitos dizem que o número de novos medicamentos tende a diminuir. Algumas pessoas acreditam que a validade das patentes deve ser aumentada, para compensar os custos crescentes, mas isso implica em um aumento no custo dos medicamentos. Outra possibilidade é a sociedade reconsiderar o que espera de um medicamento, aceitando uma nova equação de risco/benefício, o que exige um aumento de responsabilidade por parte dos médicos.