Título: A comoção e as leis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Se o Direito nasce dos fatos, como diziam os romanos (ex facto oritur jus), a grande comoção popular ante um crime hediondo, descomunal, que vitima uma inocente criança, não deixa de ser um fato de extrema relevância, apto a desencadear mudanças no rigor da lei penal, em defesa da vida e da sociedade. Aos que dizem, como a presidente do STF, Ellen Gracie, que o momento da emoção pública não é o mais propício para as alterações legais, há que se lhes indagar: qual será, então, esse momento? Quando a sociedade viverá um período de suficiente tranqüilidade - em relação à brutal criminalidade reinante - que levará os legisladores a tratar com fria racionalidade questões como a da idade da imputabilidade penal ou a da progressão de pena para autores de crimes hediondos ou reincidentes?

Claro está que não só nesses momentos, como o da atrocidade dos bandidos, no Rio, que arrastaram o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, por quilômetros, enganchado no cinto de segurança, ou da monstruosidade daqueles facínoras que em Bragança Paulista, depois do assalto, trancaram uma família inteira num carro e a queimaram viva - com o menino Vinicius Faria de Oliveira (5 anos) que conseguiu sair do carro, perambulou quase todo queimado pela estrada e também não resistiu -, ou ainda da indescritível crueldade daquele menor de alcunha ¿Champinha¿, que comandou outros comparsas no estupro continuado (por cinco dias) da jovem, de 16 anos, Liana Friedenbach, para afinal esfaqueá-la até a morte - depois de terem assassinado seu namorado Felipe Caffé -, não só nesses momentos, dizíamos, há que se pensar em rever uma legislação penal complacente, frouxa, e até certo ponto perversa, estimuladora da impunidade - e nesse aspecto aberrante, se comparada às legislações de quaisquer democracias civilizadas, onde a vida humana tem alto preço. Mas claro está, também, que o brutal desrespeito à vida humana não se combate apenas com mudanças legislativas - e sim com atuação eficiente da Polícia e tempestiva da Justiça.

Certamente o artigo 228 da Constituição, que considera penalmente inimputável os menores de 18 anos, assim como a limitação da internação de menores infratores a 3 anos, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, estão a merecer revisão, dado que o grau de amadurecimento neste mundo de informações massificadas, que vivemos, nada tem que ver com as limitações de discernimento dos jovens de décadas atrás. É compreensível, justo e legítimo que no Congresso Nacional, em momentos como este, vários projetos - em relação à diminuição da idade da imputação penal, aos limites impostos à progressão das penas e outros casos de aumento de rigor na execução penal - venham a ser ¿desenterrados¿, pois enterrados é que não deveriam estar. Aí pouco importam as intenções oportunistas de uns e outros, se se trata de demanda efetiva e vital da sociedade. O que não cabe é o misto de insensibilidade e idiotia de políticos que se postam, preliminarmente, contra a diminuição da idade penal, sob o argumento de que isso deverá superlotar ainda mais as prisões. Ora, quer dizer então que a solução é deixar os bandidos nas ruas, para não gastar dinheiro público?!

Não é raro, na História, que momentos de tragédia tenham servido para a correção de rumos numa sociedade. A complacência das leis - penal e processual - em relação aos que atentam contra a vida humana, em nosso país, é notória demais para ser subestimada, até pelos ¿politicamente corretos¿, defensores intransigentes dos soi-disant ¿direitos humanos¿ - que estão mais para os direitos humanos dos bandidos, alguns dos quais de humanos só possuem as formas. Deixando de lado, por um momento, a questão da maioridade penal, a simples possibilidade legal, no Brasil, de um criminoso condenado a 30 anos de reclusão poder desfrutar da liberdade (condicional, mas jamais de ¿condições¿, na prática, aferíveis), por ¿bom comportamento¿, (idem) depois de cumprido apenas um sexto da pena - ou seja, 5 anos - significa, por si só, uma barata licença para matar. Sem dúvida a sociedade brasileira está a esbravejar: até quando?