Título: Agronegócio - dívidas, dúvidas e desafios
Autor: Sampaio, João e Pessoa, André
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2007, Espaço Aberto, p. A2

Muito tem se falado sobre a recuperação do agronegócio brasileiro em 2007, depois de duas safras consecutivas de frustrações. O otimismo toma conta do campo. O agricultor, pela natureza da atividade, já é um otimista, pois acredita que uma simples semente se multiplicará em sacas que trarão lucros, e isso enfrentando todas as variáveis no meio do caminho. Mas, pelos estudos baseados no momento que vivemos, o desafio dos próximos quatro anos é grande. Os problemas de infra-estrutura, logística, falta de uma política de seguro e o endividamento do segmento devem dar uma freada no crescimento e demandar um pouco mais de maturidade para construirmos uma agricultura moderna, de gestão inovativa e sustentável.

Vamos analisar passo a passo as nossas urgências. A queda nos custos de produção e a recuperação dos preços internacionais da maioria dos produtos agrícolas apontam para lucros. Nas Regiões Sul e Sudeste do País, privilegiadas no aspecto logístico, as margens esperadas são alentadoras. Em boa parte do Centro-Oeste e nos cerrados do Nordeste os produtores de grãos também devem voltar a ter lucro. Em Mato Grosso, onde a logística precária e a ferrugem asiática minam a competitividade da soja, o quadro é mais preocupante. As diferenças nos desempenhos regionais precisam ser levadas em conta pelos governantes, olhar com lupa a problemática do endividamento.

Para isso é preciso separar nessa análise o fluxo de renda e o estoque de dívidas. Somando as dívidas de custeio e investimento a vencer entre 2007 e 2011, chega-se a um total de R$ 62,24 bilhões. Estima-se que a geração líquida do setor de grãos no País deve melhorar, alcançando R$ 26,4 bilhões em 2007, enquanto as dívidas totais devem somar R$ 20,3 bilhões. Para 2011 a geração de renda deve ser de R$ 35,7 bilhões, para um total de dívidas de R$ 8 bilhões.

Alguns Estados não terão ainda condições de saldar todas as dívidas em 2007, e nem mesmo em 2008, como será o caso de Goiás e de Mato Grosso, cujo período de recuperação se vai prolongar até 2009 e 2010, respectivamente. No fundo, o importante é ressaltar que 2007 marcará o início do longo processo de recuperação, e não seu final. Mesmo em Estados em melhores condições, como o Paraná, certamente há produtores cuja geração de caixa futura não será suficiente para saldar suas dívidas em 2007.

Este quadro está baseado na perspectiva que temos hoje, que é a combinação entre queda de custos de produção, recuperação dos preços, principalmente das nossas commodities exportadoras, continuidade na redução da taxa de juros real e uma lenta e gradual desvalorização da moeda.

Mas isso não basta. Necessitamos de uma mudança significativa no padrão de financiamento da agricultura. O sistema de vendas com prazo-safra operado diretamente pelas indústrias de fertilizantes e defensivos será cada vez mais direcionado para trocas do tipo 'pacote fechado', via tradings. Estas têm maior poder de recuperação de créditos, pois contam com garantias mais fortes (penhor da safra) e um melhor sistema de acompanhamento da colheita e comercialização de grãos. Esse caminho limitará a quantidade de crédito posto à disposição dos produtores para as necessidades de compra antecipada das tradings.

Outra grande mudança será na forma como os produtores alocarão os lucros gerados. No Sul e no Sudeste, períodos de rentabilidade elevada são acompanhados por elevação rápida no preço das terras, uma vez que a disponibilidade de novas áreas já é bastante reduzida.

Outra mudança deve ser na mentalidade do produtor. Precisamos construir um ambiente de negócios mais saudável e sustentável, em que se privilegie a santidade dos contratos. Uma nova fase em que a proatividade seja a tônica das intervenções do governo, procurando antecipar os problemas, e não intervindo em crises instaladas.

Para a questão das intervenções de socorro financeiro, o ideal seria seguir na direção da constituição de um fundo que contasse, na sua capitalização, com recursos do governo e também dos próprios produtores - estes últimos, nos períodos de maior rentabilidade, ampliariam suas contribuições, e nos períodos adversos as dívidas seriam reduzidas. Em casos de extrema dificuldade, os produtores poderiam recorrer aos recursos desse fundo, que teria taxa de juros e prazos especiais. O fundo teria limitação de acesso, que poderia ser, por exemplo, o direito de uma única entrada por produtor a cada dez anos. Aqueles que não acessassem os recursos deveriam receber, como bônus, progressivas reduções nos valores de suas contribuições.

Juntamente com isto, continuamos com a velha ladainha: elevação dos investimentos em logística de transportes e infra-estrutura; melhorias na performance da defesa agropecuária, para garantir a consolidação do País como grande exportador de carnes; aceleração na adoção de transgênicos; ampliação dos recursos para pesquisa agrícola; revisão da estrutura tributária que incide sobre o setor, privilegiando a cobrança de impostos diretos sobre renda e propriedade e aliviando ou eliminando a carga de impostos indiretos; implantação de um sistema de comercialização que privilegie o uso de mercados futuros e derivativos; implantação do seguro agrícola; melhoria nos resultados obtidos pelo País nas rodadas internacionais de negociação comercial.

A agenda estrutural proposta acima foi apresentada quando do auge do nosso agronegócio, de 2000 a 2004, e não tivemos avanço. Então, temos de martelar até provarmos que a competitividade da agricultura brasileira não é formada por ondas de otimismo, e sim resultado de uma agenda combinada de governo e setor produtivo.