Título: Mulheres já são metade dos migrantes, diz relatório da ONU
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2006, Internacional, p. A14

O relatório divulgado ontem pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) derruba o mito de que a maior parte dos migrantes internacionais é constituída por homens. O trabalho indica que quase 50% das pessoas que deixam seus países - por vontade própria, fugindo de guerras ou perseguições - é formada por mulheres. Ao todo, são 95 milhões de migrantes femininas, que, acompanhadas por seus maridos ou sozinhas, viajam em busca de melhores condições de vida, incluindo maior liberdade.

Além da grande participação no movimento migratório, mulheres exercem um papel fundamental na economia dos seus países de origem - e também nos locais onde passam a trabalhar. Um fenômeno comparado pela UNFPA a um rio silencioso. "Que se move e deixa um rastro de benefícios", disse a representante no Brasil da UNFPA, Tânia Patriota, que apresentou em Brasília dados do relatório.

São vários os exemplos do "rastro de benefícios". Tradicionalmente, mulheres recebem salários menores que homens migrantes. Mesmo assim, enviam proporções maiores de seus ganhos para seus países de origem. O uso do dinheiro remetido por mulheres também é diferente. Elas destinam as remessas para alimentação e educação de crianças e idosos. Homens geralmente destinam dinheiro para investimentos, principalmente em imóveis.

Pelos cálculos da UNFPA, migrantes enviaram no ano passado para seus países de origem cerca de US$ 232 milhões, valor similar ao PIB de um país como a Dinamarca. Metade dos recursos foi enviada para países em desenvolvimento (US$ 125 bilhões). "Tal quantia representa a segunda maior fonte de financiamento externo para muitos países", conta Tânia Patriota.

Não há números mundiais sobre o quanto as mulheres remetem para seus países. Mas estudos indicam que tal contribuição é extremamente importante. O relatório das Nações Unidas cita um levantamento feito no Sri Lanka em 1999. Dos mais de US$ 1 bilhão enviados para o país, 62% haviam sido enviados pelas migrantes. "Acreditamos que essa tendência se repete em outros países", diz a UNFPA.

Muitas mulheres vão para outros países ilegalmente, deixando suas famílias, incluindo filhos, nos países de origem. O mercado de trabalho que elas encontram nos países de destino não é animador. A maioria dedica-se a serviços domésticos - um fator que facilita a exploração, pois poucos países têm a profissão regulamentada. Uma parte trabalha em fábricas. Outras, se prostituem. O estudo observa que muitas mulheres deixam seus países para reencontrar seus maridos. Nestes casos, geralmente não há grande impacto nos costumes familiares. Mas o estudo observa que o grande movimento migratório feminino vem provocando uma pequena revolução numa situação específica: quando viajam sozinhas, geralmente elas rompem com costumes limitantes. E, se retornam a seus países, passam a exigir um nível melhor nos serviços de saúde.

O esforço feito pela UNFPA para revelar a importância feminina no movimento migratório tem objetivo bastante claro: o incentivo da criação de uma legislação internacional com direitos para migrantes, sobretudo mulheres e jovens, os mais expostos à violências. "Isso ocorre tanto na saída do país de origem quanto na chegada ao destino."

Além do maior risco de abuso, mulheres têm acesso mais difícil a serviços de assistência. Um exemplo disso pode ser visto em São Paulo. Médicos brasileiros afirmam que a morte ligada ao parto e as taxas de morte de crianças com menos de cinco anos é de três a cinco vezes maior entre migrantes bolivianos do que entre brasileiras.

Outra revelação do estudo da UNFPA é que o número de migrantes jovens oriundos de países em desenvolvimento está em plena ascensão. Ao todo, eles já somam um terço do total de migrantes em todo o mundo.