Título: Atraso injustificável
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2006, Notas e Informações, p. A3

O injustificável atraso na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2007 é apenas a mais recente evidência da falta de seriedade com que o Congresso, com a conivência e muitas vezes a pressão do Executivo, trata a questão essencial no relacionamento entre o poder público e a sociedade, que é o processo de definição de receitas e despesas de um exercício. Lamentavelmente, o atraso talvez não seja a última demonstração da leniência com que as autoridades conduzem o processo orçamentário no País, pois são mais do que claras as indicações de que uma regra essencial proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso, a redução de gastos correntes no próximo ano, será ignorada.

A LDO, que deve balizar a montagem da proposta de orçamento para o exercício seguinte, foi aprovada com quase seis meses de atraso, pois os parlamentares deveriam ter votado a proposta no máximo até o fim de junho, antes do início do recesso parlamentar de meio de ano. Tecnicamente, como o Congresso não aprovou a tempo o projeto enviado em abril pelo Executivo, não houve recesso em julho, embora os congressistas tenham dedicado parte daquele mês não às atividades legislativas, mas a suas campanhas eleitorais.

Criou-se uma situação inusitada. Mesmo sem a aprovação das diretrizes a serem seguidas na elaboração do Orçamento para 2007, em agosto, como manda a lei, o governo enviou a proposta orçamentária para o próximo ano. Com a aprovação da LDO, abre-se o caminho para a votação do projeto de Orçamento da União para 2007, que deverá ocorrer até sexta-feira. Mas há dúvidas sobre as regras que balizam essa proposta.

No texto original do projeto de LDO para 2007, o governo incluiu um dispositivo de grande importância para a política fiscal, que é o redutor de 0,1% do PIB das despesas correntes, aquelas destinadas à manutenção da máquina estatal, em 2007 e também em 2008 (a ser mantido até a extinção do déficit nominal). É uma regra que aponta para a possibilidade de queda paulatina da relação entre a dívida pública e o PIB, o que, por sua vez, abre o caminho para a redução ainda mais rápida dos juros internos e da carga tributária, que já atingiu o limite suportável pelo contribuinte. A diminuição das despesas correntes ajudará também a melhorar a qualidade do gasto público, pois quanto menos custar a manutenção da máquina, maior será a possibilidade de o governo aumentar os investimentos na infra-estrutura e na melhora dos serviços prestados à sociedade.

No entanto, por causa do excesso de ¿bondades¿ concedidas nos meses que antecederam as eleições - a reestruturação de carreiras e o provimento de cargos na União elevarão os gastos com pessoal em R$ 13,2 bilhões em 2007 e o aumento do salário mínimo em 16,6% fará os dispêndios da Previdência aumentarem 13,3% no próximo ano -, a redução das despesas correntes ficou muito mais difícil. Por isso, é predominante no governo a tese de que o redutor dos gastos deve ser abandonado. A proposta de Orçamento da União para o próximo ano enviada ao Congresso é incompatível com o redutor.

Na votação da LDO, porém, a oposição exigiu a manutenção, para 2007, do redutor de 0,1% do PIB dos gastos correntes, na comparação com as despesas realizadas em 2006. Mas, para não ter de fazer, ele mesmo, os cortes necessários na proposta orçamentária, o Congresso transferiu a tarefa para o Executivo, dando-lhe, porém, uma certa margem de manobra. Em vez de determinar cortes nos valores autorizados pelo Orçamento, a LDO aprovada permite que o redutor seja aplicado nos valores empenhados, isto é, que já ficam reservados para a liquidação de determinada despesa. É uma ¿gambiarra¿ orçamentária.

Se não quiser usar o artifício criado pelo Congresso, o presidente poderá vetá-lo - e é isso que, segundo o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), deverá ocorrer. E se o Congresso derrubar o veto? Não é uma hipótese impossível. Mas, até chegar o momento de votação pelos congressistas do eventual veto presidencial, o Orçamento da União para 2007 deverá estar em plena execução. Nada mudará.

Se as coisas ocorrerem desse modo, será apenas mais uma demonstração de como, no Brasil, um assunto tão sério como esse é tratado de maneira tão irresponsável.